Nascido em 25 de setembro de 1937, o poeta ROBERTO PIVA foi publicado pela
primeira vez em 1961, na Antologia dos
Novíssimos. Dois anos depois, com os poemas do livro Paranoia, que são acompanhados por fotografias do artista plástico
paulista Wesley Duke Lee (1931-2010), um dos responsáveis pela incorporação dos
temas e da linguagem pop no Brasil, obtém o reconhecimento dos leitores e da
crítica – a revista francesa Action
Surréalista o classifica como “o primeiro livro de poesia delirante
publicado no Brasil.
Identificado com São Paulo, embora tenha
detestado-a pelo que ela se tornou, conforme as jornalistas Renata D’Elia e
Camila Hungria, no livro Os dentes da
memória (2011), ele é considerado “uma das vozes mais originais da poesia
paulistana”, ao lado de Claudio Willer (1940), Roberto Bicelli (1943) e Antonio
Fernando de Franceschi (1942).
Transgressor e apaixonado, adepto da ingestão
de alucinógenos, ecológico e mediúnico, neo-pagão, Piva é lido pelo poeta
Ademir Assunção como “um poeta intenso, em tempo integral. Para ele, a poesia
não era um adereço intelectual, era algo vital”, diz Assumção. Poeta urbano, apresenta-se
com referências eruditas (Friedrich Nietzsche, Sándor Ferenczi, Arthur Rimbaud,
Lautréamont, Dante, Carl Jung, Wilhelm Reich etc) e xamânicas (também foi
praticante do xamanismo).
Além dos livros citados, Piva teve sua última
publicação em vida com Ciclones, em
1997 – antes foram apenas seis livros, sendo que a L&PM, de Porto Alegre, editou,
em 1985, a Antologia Poética, onde
encontram-se poemas de todos os seus livros e mais alguns manifestos, como o
“Manifesto utópico-ecológico em defesa da poesia e do delírio”, escrito em 1983.
Em 2000, o Instituto Moreira Salles (IMS) publicou a segunda edição de Paranoia – acompanhada da
exposição Paranoia: a
São Paulo de Roberto Piva e Wesley Duke Lee, realizada nas sedes do
IMS em Belo Horizonte e em São Paulo – e, em 2009, a terceira. A obra
completa do poeta foi reeditada em três volumes e publicada pela
editora Globo entre 2005 e 2008.
Além das diversas antologias publicadas no Brasil,
seus poemas se encontram em edições na Argentina e nos Estados Unidos. Na
página https://www.facebook.com/bibliotecarobertopiva/?pnref=story,
administrada por Gabriel Kolyniak e Gustavo Benini (organizadores da Biblioteca
Roberto Piva), podem ser encontradas mais informações sobre o autor e sua obra
– ou no espaço físico, no Vale do Anhangabú, em São Paulo, onde está preservado
um acervo de cerca de 6 mil títulos, de poesia ao ocultismo, entre outros
assuntos.
O poeta faleceu em 3 de julho de 2010, aos 72
anos, devido à falência múltipla dos órgãos, provocada por insuficiência renal.
* * *
A VIDA ME CARREGA NO AR COMO UM
GIGANTESCO ABUTRE
A
verdade dos deuses
carnais
como nós & lânguidos
não
provém do nada
mas
do desejo trovejante do coração partido pelo amor
em
sua disparada pelo rosto de um adolescente
com
sua fúria delicada
cruzo
avenidas insones & corroídas de chuva
minha
mão alcança minha dor presente
&
me preparo para um dia duro amargo & pegajoso
a
tarde desaba seu azul sobre os telhados do mundo
você
não veio ao nosso encontro & eu morro um pouco & me encontro só
numa cidade de muros
você
talvez não saiba do ritual do amor como uma fonte a água que corre não correrá
jamais a mesma até o poente
minha
dor é um anjo ferido de morte
você
é um pequeno deus verde & rigoroso
horários
de morte cidades cemitérios a morte é a ordem do dia
a
noite vem raptar o que sobra de um soluço
* * *
O JARDIM DAS DELÍCIAS
Teu corpo
no corrimão anatômico sobre meus olhos
aquela
serpente com escamas de cicuta sacudida entre tuas coxas de megatons
é um
meio seguro de não mais aconchegar a mais serena catástrofe
como
um espelho de vingança acordado por um bater de asas
&
um piano que rola até o limite de doces raízes onde
se
completam as cachoeiras das trepanações
TEU
OLHOS SÃO GRITOS DEMASIADOS REDONDOS
Meu
circuito de trincheiras pela mesma razão de ninho de águia
tempo
em que os 12 andares de sexo correm persianas de galatite
relâmpagos
do mesmo líquen magnético de tua boca de quinze anos
quando
não vais à escola para assistires Flash Gordon & ler Otto Rank nas esquinas
o
mundo continua sendo um breve colapso logo que as pálpebras baixem
&
meu amor por ti uma profanação consciente de eternas estrelas de rapina
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