A poeta ANA MARTINS MARQUES nasceu no dia 7 de novembro de 1977, em Belo Horizonte (MG). Sua publicação mais recente é Livro dos jardins (2019). O primeiro livro, A vida submarina, que reúne poemas vencedores do Prêmio Cidade de Belo Horizonte (2007 e 2008), é de 2009.

É autora de Como se fosse a casa (uma correspondência), com Eduardo Jorge (2017), Duas janelas, com Marcos Siscar (2016), O livro das semelhanças (2015, prêmio APCA 2016), e Da arte das armadilhas (2011), que recebeu o Prêmio Biblioteca Nacional e o Prêmio Alphonsus Guimarães (2012). Em 2013 participou da antologia Once poetas brasileros, na Colômbia, e em 2017 publicou This House: selected poems, com tradução de Elisa Wouk.



Tem doutorado em literatura comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); para o mestrado, apresentou dissertação sobre o romancista gaúcho João Gilberto Noll (1946-2017). Trabalha na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, como redatora e revisora.

* * *



PRIMEIRO POEMA


O primeiro verso é o mais difícil

O leitor está à porta

Não sabe ainda se entra

Ou só espia

Se se lança ao livro

Ou finalmente encara

o dia


o dia: contas a pagar

correspondência atrasada

congestionamentos

xícaras sujas


aqui ao menos não encontrarás,

leitor,

xícaras sujas


* * *


O livro


“o livro que alguém deixa cair ao adormecer

continua aberto,

como se ferido por um tiro”

Thomas Transtömer


O livro que alguém deixou cair

ao adormecer

continua aberto

ave abatida no voo

caída

com as asas abertas

ao pé da cama

o livro que alguém deixou

cair

crucificado

ao lado da cama

permanece acordado

ou cai também no sono

e sonha também

embaralhando as linhas

sonha que é pássaro

ou parede

sonha que lhe devolvem

a brancura original

que pode enfim não dizer nada

sonha que fala numa língua sem língua que todos entendem

sonha que conhece a água sem a destruição

sonha que as palavras se arruínam mas ele mesmo não se arruína

sonha que é de novo árvore, de novo floresta

sonha de novo suas ramas, sua seiva, suas flores

sonha que é uma vela aberta

que o outono alcança também

as folhas dos livros

sonha que doura ao sol

sua pele de papel

o livro que alguém deixou

cair

ao lado da cama

partitura para música

nenhuma

mapa para

nenhum lugar

caído no sono

do seu próprio peso

continua aceso

como uma lâmpada esquecida acesa

ao lado da cama


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