O
poeta TORQUATO NETO nasceu em Teresina (PI), no dia 9 de novembro de 1944. Aos
16 anos mudou-se para Salvador, onde conheceu Gilberto Gil, ainda no colégio. Dois
anos mais tarde, já no Rio de Janeiro, trabalhou com o diretor Glauber Rocha,
como assistente, no filme Barravento
(1962), conheceu Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia, e estudou
jornalismo – sem ter concluído o curso, embora tenha trabalhado em diversos
veículos da imprensa carioca.
Como letrista e articulador, teve
participação no movimento tropicalista – são dele as letras da canção-manifesto
“Geleia Geral”, de Tropicália ou Panis et circensis (com
Gilberto Gil), de “Mamãe Coragem” e de “Deus vos salve esta casa santa” (com
Caetano Veloso). Outros parceiros musicais foram Jards Macalé e Edu Lobo, e
“Louvação” fez sucesso na voz de Elis Regina. Na década de 1980, os Titãs
gravaram “Go Back” (poema de 1971), que tornou-se faixa-título do disco gravado
em Montreux, na Suíça, em 1988.
Jornalista, trabalhou no Correio da Manhã e na redação de O Sol, onde assinou por cerca de um ano a coluna “Música Popular”.
Em seu último ano de vida escreveu artigos para jornais alternativos, como Flor do Mal e Presença, e organizou, com Waly Salomão, a única edição da revista Navilouca. Entre 1971 e 1972, escreveu
para o jornal Última Hora a polêmica
coluna “Geleia Geral” – nela, fazia enfática defesa do cinema marginal em
contrapartida ao Cinema Novo (de Ruy Guerra, Cacá Diegues, Glauber Rocha e
Nelson Pereira dos Santos, entre outros) e à música comercial, ao mesmo tempo
em que lutava pelos direitos autorais.
Agente cultural e polemista,
defensor da vanguarda, relacionou-se com Haroldo de Campos, Décio Pignatari e
Augusto de Campos, com o cineasta Ivan Cardoso (em Nosferatu,
de 1970, viveu o personagem Vampiro) e o artista plástico Hélio Oiticica (com
quem manteve longa correspondência). Dirigiu Terror da Vermelha, em 1971-1972.
Com a instalação do AI-5,
viajou pela Europa – morou em Londres por um período – e pelos Estados Unidos,
com a esposa, Ana Maria da Silva de Araújo Duarte, com quem teve um filho,
Thiago. Retornou ao Brasil no início dos anos 70.
Com um histórico de
internações psiquiátricas e problemas profissionais, Torquato Pereira de Araújo
Neto suicidou-se no Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1972. Poemas e textos
inéditos foram reunidos pela esposa, Ana, e por Waly Salomão no livro Os últimos de paupéria em 1973. Vieram
outras biografias, entre elas a de Toninho Vaz, A biografia de Torquato Neto (2018) e outras reuniões de textos,
como a organizada por Italo Morricone, Torquato
Neto: essencial (2017). Em março de 2018 foi lançado o documentário Todas as horas do fim, com direção de
Marcus Fernando e Eduardo Ades, com 26 textos de Torquato, depoimentos de Gil,
Caetano e Tom Zé, além de músicas interpretadas por Elis Regina e Edu Lobo,
entre outros.
* * *
POEMA DO AVISO FINAL
É
preciso que haja alguma coisa
alimentando
o meu povo;
uma
vontade
uma certeza
uma qualquer esperança.
É preciso que alguma coisa atraia
a vida
ou tudo será posto de lado
e na procura da vida
a morte virá na frente
a abrirá caminhos.
É preciso que haja algum respeito,
ao menos um esboço
ou a dignidade humana se afirmará
a machadadas.
* *
*
geleia
geral
um
poeta desfolha a bandeira
e a
manhã tropical se inicia
resplandente
cadente fagueira
num
calor girassol com alegria
na
geleia geral brasileira
que
o jornal do brasil anuncia
ê
bumba iê, iê, boi
ano
que vem mês que foi
ê
bumba iê, iê, iê
é a
mesma dança, meu boi
“a
alegria é a prova dos nove”
e a
tristeza é teu porto seguro
minha
terra é onde o sol é mais limpo
e
mangueira é onde o samba é mais puro
tumbadora
na selva-selvagem
pindorama,
país do futuro
ê
bumba iê, iê boi
ano
que vem mês que foi
ê
bumba iê, iê iê
é a
mesma dança, meu boi
é a
mesma dança na sala
no
canecão na TV
e
quem não dança não fala
assiste
a tudo e se cala
não
vê no meio da sala
as
relíquias do brasil:
doce
mulata malvada
um
elepê de sinatra
maracujá
mês de abril
santo
barroco baiano
superpoder
de paisano
formiplac
e céu de anil
três
destaques da portela
carne
seca na janela
alguém
que chora por mim
um
carnaval de verdade
hospitaleira
amizade
brutalidade
jardim
ê
bumba iê, iê boi
ano
que vem mês que foi
ê
bumba iê, iê iê
é a
mesma dança, meu boi
plurialva
contente e brejeira
miss
linda brasil diz bom dia
e
outra moça também carolina
da
janela examina a folia
salve
o lindo pendão dos seus olhos
e a
saúde que o olhar irradia
ê
bumba iê, iê boi
ano
que vem mês que foi
ê
bumba iê, iê iê
é a
mesma dança, meu boi
um
poeta desfolha a bandeira
e eu
me sinto melhor colorido
pego
um jato viajo arrebento
como
roteiro do sexto sentido
foz
do morro, pilão de concreto
tropicália,
bananas ao vento
ê
bumba iê, iê boi
ano
que vem mês que foi
ê
bumba iê, iê iê
é a
mesma dança, meu boi
* * *
GO BACK
Você
me chama
Eu quero
ir pro cinema
você
reclama
meu
coração não contenta
você
me ama
mas
de repente a madrugada mudou
e
certamente
aquele
trem já passou
e se
passou
passou
daqui pra melhor,
foi!
Só quero
saber
do
que pode dar certo
não
tenho tempo a perder
você
me pede
quer
ir pro cinema
agora
é tarde
se
nenhuma espécie
de
pedido
eu
escutar agora
agora
é tarde
tempo
perdido
mas
se não mora, não morou
é
porque não tem ouvido
que
agora é tarde
– eu
tenho dito –
o
nosso amor mixou
(que
pena) o nosso amor, amor
e eu
não estou a fim de ver cinema
(que
pena)
Comentários
Postar um comentário