O poeta HEITOR FERRAZ MELLO nasceu no dia 21 de novembro de 1964, na França, mas mora no Brasil desde os dois anos de idade. Jornalista e mestre em Literatura (USP) – dissertação sobre a poesia de Francisco Alvim – é professor universitário, depois de ter colaborado com diversos jornais, revistas e programas de TV.

O primeiro livro de Heitor é de 1996, Resumo do dia, e, em 2016, publicou Meu semelhante. Entre eles, Bichos da cidade (2012), Um a menos (2009, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2010), Pré-desperto (2004), Hoje como ontem ao meio-dia (2002), Goethe nos olhos do lagarto (2001) e A mesma noite (1997). Em 2004, publicou a coletânea Coisas imediatas [1996-2004], que reuniu os poemas dos primeiros livros, e está para ser concluído O jogo das nuvens (www.revistapessoa.com/artigo/1211/exilio).


* * *



PRECÁRIA UNIDADE


Poemas morrem pela boca

como os peixes


Palavras afogadas de sentido

se sentem vazias

como sacos de supermercado


Não se diz amor

sem que um sorriso ácido

lamba as pernas do ar

e tudo faça pouco sentido


Enfrento minha alma

sua alma despedaçada

como nuvens que correm distantes


Finco meu desejo

entre o sonho

e a razão esboroada


Pulso minha língua na sua

e enrolados nesse drama particular

formamos uma efêmera forma de viver


– é nossa vida

que se rompe

numa precária unidade


* * *


O DEUS


Quando a noite é só o barulho

de um galo desregulado

e o apito distante de um guarda-noturno


Nesta hora

em que os corpos procuram a ausência

tão necessária

e a dor

um ponto-de-vista


Procuro

em cada canto do quarto

– olhos de treinada coruja –

o deus que me pronuncia.


* * *


NOSSAS MICROBIOGRAFIAS


Às vezes acontece

do acaso

inconfortável

abrir uma brecha

na rasteira do presente

e alguma imagem

que estava presa

se libertar.

Do silêncio

escapa um rumor

de risos e vozes

(talvez na ponte

sobre um velho ribeirão)

e braços longos e desajeitados

de uma garota

longa e desajeitada

se acomodam sobre as coxas

e outra garota

esconde a timidez

de uma gargalhada

colocando a mão na boca.


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