Natural de Cruz Alta (RS), SIDNEI SCHNEIDER nasceu no dia 15 de novembro de 1960,
mudou-se para Santa Maria aos quatro meses de idade, e hoje mora em Porto
Alegre. O primeiro livro é Poemas
(1987-1992). Depois, vieram Plano de
navegação (1999) e Quichiligangues
(2008).
Seus poemas fazem parte das coletâneas O melhor da festa (2009), Antologia do Sul e Poesia sempre 14 (2001), entre outras. Como contista, publicou Andorinha e outros enganos (2012) e a
coletânea De rua e sangas (2018) pelo
projeto Ler para ver além, da União Metropolitana dos Estudantes Secundários de
Porto Alegre (Umespa).
Traduziu Versos Singelos – José Martí (1997) e Willian Blake, além de publicar artigos, poemas, contos e traduções em jornais e revistas, tendo conquistado o 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, da UFRGS (2003), e o 1º lugar em poesia no Concurso Talentos da UFSM (1995). Em 2018 ganhou o Troféu Açorianos de Divulgação Literária, da Prefeitura de Porto Alegre. Participante do projeto ArteSesc, é membro da Associação Gaúcha de Escritores (AGES).
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NOTURNO
DA PANDEMIA
Hordas de
nômades de rua
andam na
crista da avenida,
grupados
igual nunca antes,
sacos
pretos nas costas ou
em
carrinhos de empurrar,
coleta do
dia, depois acaba:
um rapaz se abaixa e ergue,
feliz, do asfalto sua máscara
decorada, os outros já têm.
Na janela da lancheria, peço
uma garrafa de água mineral, e o
dono diz pra tomar cuidado,
digo que não me ocupam, já
lidei com ladrõezinhos de rua
e não é isso que parecem ser,
demonstram enorme pavor,
sem arma não entrego nada,
achegam-se, despassam reto.
Na quadra do minimercado,
uma guria, sentada na porta
do iglu aberto na calçada, diz
– Água?, como se no deserto.
É uma noite quente no início
do inverno, paro a bicicleta e
estendo a garrafa em silêncio,
ela sorri e agradece, não deve
ter trinta anos e não tem nada
de típica moradora da noite.
(Revejo o desconhecido inca
que me deu manta de alpaca
a trinta graus abaixo de zero,
perto do vale de Sicuani, para
ativar a circulação do sangue,
que me punha mui níveo nas
extremidades: sem qualquer
palavra, rosto seco, solidário).
O casal embaixo da marquise
da extinta sorveteria prepara
camas para as três pequenas:
cobertas velhas no papelão
e jornais, devem ter ganho
da vizinhança. Astronautas,
cientistas, poetas dormem
naqueles gens, até quando?
Viemos das cavernas, elas
ainda vivem na pré-história,
parte do povo conseguimos
botar em aptos, casas boas,
faltam muitos, e o que falta,
senão revigorar a soberania,
para erigir um país de todos?
(Lembro dos anos de dureza
com os três filhos pequenos,
da batata que juntei do chão
enquanto buscava emprego,
machucada, fez-se alimento,
símbolo secreto, pulsar-vivo,
nunca o disse para ninguém,
apenas hoje, depois de tanto,
ao céu solidário dos vizinhos).
No dobrar a esquina, outro
iglu, também não de alguém
que antes morasse nas ruas,
deve ter sido obrigado a sair
de casa, da pensão, do lugar
errante que lhe vendia a cama,
a unhar um cavaquinho sem
cordas, triste na madrugada.
Como em cidade do interior,
quase todos cumprimentam
e, ciente, já tomo a iniciativa.
Passo pelo bar mais popular
do bairro e um bebum feito
trem em curva sacoleja para
fora da grade recém-erguida:
só matando o vírus no álcool,
magrão, a naftalina do Bozo,
não presta, vamo de impiche?
Retrato do povo mal tratado,
o velho bairro anda assim, no
Brasil que o titular só desfaz.
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