Nascido em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, em 24 de novembro de 1861, o poeta CRUZ E SOUSA obteve o reconhecimento literário depois da morte. Publicou Tropos e fantasias (1885), Broquéis e Missal (poemas em prosa) em 1893, e Evocações (1898); postumamente, foram publicados Faróis (1900) e Últimos Sonetos (1905). Também deixou três livros voltados ao teatro: Macário (Reccurci do drama de Álvares de Azeve­do), com Virgílio Várzea (1875), Julieta dos Santos: homenagem ao gênio dramático brasileiro, com Virgílio Várzea e Santos Lostada (1883), e Calemburg e Trocadilhos, com a colaboração de Moreira de Vasconcelos (1884).

Entre 1871 e 1875, Cruz e Sousa foi bolsista do Ateneu Provincial Catarinense, onde aprendeu inglês, francês, latim e grego, e onde teve acesso às obras de Charles Baudelaire, Giacomo Leopardi, Antero de Quental e Guerra Junqueiro, entre outros autores. Aos 20 anos ingressou no jornalismo: fundou o semanário Colombo, foi diretor do jornal ilustrado O Moleque (fortemente discriminado devido ao teor crítico) e do jornal Tribuna Popular (1881), trabalhando ao lado do escritor e amigo Virgílio Várzea. Em seus textos, combateu a escravidão e o preconceito racial, luta que ampliou palestrando ou participando da campanha antiescravagista promovida pela sociedade carnavalesca Diabo a Quatro em 1887.

Foi arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), já no Rio de Janeiro, onde foi morar em 1890, depois de navegar pelo litoral brasileiro a bordo da companhia de teatro do português José Simões Nunes Borges; foi no Rio que conheceu Gavita Rosa Gonçalves, com quem casou e teve quatro filhos.

Vários são os volumes de antologias e publicações póstumas, inclusive no formato eletrônico (Biblioteca Nacional, 2002), e um volume de não ficção, Cartas de Cruz e Sousa, organizado pela professora e pesquisadora cruz-altense Zahidé Lupinacci Muzart, em 1993. Paulo Leminski escreveu a biografia Cruz e Sousa – O negro branco em 1983, depois reunida no livro Vida (1990), ao lado das biografias de Bashô, Jesus e Trótski.

É patrono da cadeira número 15 da Academia Catarinense de Letras; além de nominar o palácio, próximo à Praça XV de Novembro, vários municípios têm seu nome em ruas e avenidas e, em Lages, existe o Clube Cruz e Sousa, inaugurado em 22 de setembro de 1918; em 1998, o cineasta Sylvio Back (1937) dirigiu o filme Cruz e Sousa – o Poeta do Desterro, que homenageia o poeta, em que os textos são só os poemas.

A obra de Cruz e Sousa já foi traduzida e publicada em pelo menos oito idiomas, sendo o primeiro reconhecimento feito no jornal chileno El Mercurio, conferência proferida em 1899 pelo poeta e diplomata boliviano Ricardo Jaimes Freyre (1866-1933). Em língua espanhola, ainda ganhou destaque no Uruguai e no Peru, na Argentina e na Espanha. Constam, ainda, registros de publicações na Itália, na Alemanha, na Romênia e na França. Para ele, Cecília Meireles (1901-1964) escreveu “Beatitude”,

Vítima da tuberculose – a mesma doença que matou seus quatro filhos –, quando ainda morava em Minas Gerais e se encontrava na Estação de Sítio, em Barbacena, à procura de um clima melhor para sua saúde, João da Cruz e Sousa morreu aos 36 anos, no dia 19 de março de 1898.

José do Patrocínio se incumbiu do sepultamento do poeta no Rio de Janeiro, vencida a humilhante etapa ferroviária do vagão de transporte de cavalos, de Minas Gerais até a capital carioca. Foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier pelos amigos, mas o mausoléu só foi inaugurado em 5 de agosto de 1943. Lá, ele permaneceu até 2007, quando os restos mortais foram acolhidos no Palácio Cruz e Sousa, antigo palácio de governo do estado de Santa Catarina que, desde dezembro de 1986, sedia o Museu Histórico de Santa Catarina (MHSC), no centro de Florianópolis.

Para alguns, suas origens impediram seu ingresso na ABL, a mesma que tem Machado de Assis (1839-1908) como o primeiro presidente e o abolicionista José do Patrocínio (1853-1905) entre seus pares. Filho de escravos alforriados, Cruz e Sousa sofreu uma série de perseguições pessoais e profissionais; ao mesmo tempo, foi chamado de “Dante Negro” e “Cisne Negro”, e era visto circulando como um dândi, vestido em roupas dentro dos padrões europeus do século XIX.


* * *




ALMA SOLITÁRIA

 

Ó Alma doce e triste e palpitante!

que cítaras soluçam solitárias

pelas Regiões longínquas, visionárias

do teu Sonho secreto e fascinante!

 

Quantas zonas de luz purificante,

quantos silêncios, quantas sombras várias

de esferas imortais, imaginárias,

falam contigo, ó Alma cativante!

 

que chama acende os teus faróis noturnos

e veste os teus mistérios taciturnos

dos esplendores do arco de aliança?

 

Por que és assim, melancolicamente,

como um arcanjo infante, adolescente,

esquecido nos vales da Esperança?!


* * *


LIVRE


Livre! Ser livre da matéria escrava,

arrancar os grilhões que nos flagelam

e livre penetrar nos Dons que selam

a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

 

Livre da humana, da terrestre bava

dos corações daninhos que regelam,

quando os nossos sentidos se rebelam

contra a Infâmia bifronte que deprava.

 

Livre! bem livre para andar mais puro,

mais junto à Natureza e mais seguro

do seu Amor, de todas as justiças.

 

Livre! para sentir a Natureza,

para gozar, na universal Grandeza,

Fecundas e arcangélicas preguiças.


* * *


VIOLÕES QUE CHORAM


Ah! plangentes violões dormentes, mornos,

Soluços ao luar, choros ao vento...

Tristes perfis, os mais vagos contornos,

Bocas murmurejantes de lamento.


Noites de além, remotas, que eu recordo,

Noites da solidão, noites remotas

Que nos azuis da fantasia bordo,

Vou constelando de visões ignotas.


Sutis palpitações à luz da lua.

Anseio dos momentos mais saudosos,

Quando lá choram na deserta rua

As cordas vivas dos violões chorosos.


Quando os sons dos violões vão soluçando,

Quando os sons dos violões nas cordas gemem,

E vão dilacerando e deliciando,

Rasgando as almas que nas sombras tremem.


Harmonias que pungem, que laceram,

Dedos nervosos e ágeis que percorrem

Cordas e um mundo de dolências geram,

Gemidos, prantos, que no espaço morrem...


E sons soturnos, suspiradas mágoas,

Mágoas amargas e melancolias,

No sussurro monótono das águas,

Noturnamente, entre remagens frias.


Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpias dos violões, vozes veladas,

Vagam nos velhos vórtices velozes

Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.


Tudo nas cordas dos violões ecoa

E vibra e se contorce no ar, convulso...

Tudo na noite, tudo clama e voa

Sob a febril agitação de um pulso.


Que esses violões nevoentos e tristonhos

São ilhas de degredo atroz, funéreo,

Para onde vão, fatigadas no sonho,

Almas que se abismaram no mistério.


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