JACINTA VELLOSO PASSOS nasceu em 30 de novembro de 1914, em Cruz das Almas, município do Recôncavo da Bahia. Estreou na poesia com Nossos poemas (1942), ao lado do irmão Manoel Caetano Filho – ela, com “Momentos de poesia”, ele, com “Mundo em agonia”. Depois vieram Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e A Coluna (1957), poema em 15 cantos sobre a Coluna Prestes.

Na adolescência, escrevia poemas e os compartilhava com familiares e amigos. A partir da década de 1930, integra-se aos círculos literários de Salvador e participa de grupos religiosos, onde começa a manifestar preocupações sociais. A partir da Segunda Guerra Mundial, envolve-se com a política, participa de manifestações de rua e denuncia opressões contras as mulheres. Seus artigos e poemas publicados nos jornais da capital baiana – especialmente na revista Seiva – apresentam temáticas sociais.

Na sequência, escreve e dirige a “Página Feminina”, do jornal O Imparcial, e torna-se uma das poucas mulheres a assumir posições políticas públicas ao combater o nazifascismo e o Estado Novo – proporcionalmente, abandona o catolicismo. Em 1944 mudou-se para São Paulo e aproxima-se de Carlos Scliar e Lasar Segall – que ilustra o segundo livro, Canção de Partida, em 1945, entre outros. Envolve-se com a vida cultural e política da cidade, e participa do 1º Congresso Brasileiro de Escritores, onde se inicia campanha pela volta do país à democracia.

Muda-se para Porto Alegre (RS) como marido, James Amado, onde filiam-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Por decisão do partido, volta a Salvado para ser candidata à deputada federal constituinte.

Em 1948, com o clima político marcado pelas perseguições e prisões, muda-se com a família para uma fazenda em Coaraci, zona cacaueira da Bahia. De lá, sai apenas para visitas a Salvador, ao Rio e a São Paulo para cumprir tarefas políticas e rever familiares. Produz intensamente e participa do 3º Congresso Brasileiro de Escritores, em Salvador.

A família muda-se novamente, desta vez para o Rio de Janeiro. Em 1951, depois da publicação de Poemas políticos e após regressar do IV Congresso Brasileiro de Escritores, em Porto Alegre, sofre crise nervosa, com delírios persecutórios; é internada e diagnosticada com esquizofrenia paranoide – começa o tratamento com eletrochoques, injeções de insulina e barbitúricos. No ano seguinte, separa-se de James.

Entre 1953 e 1954, novamente internada, escreve o poema épico A Coluna, que será publicado em 1957 – até 1968 diversos trechos foram reproduzidos em publicações de esquerda do Rio e de São Paulo, e depois, quando o país retornou à democracia. Ao deixar a clínica, volta a morar com os pais, a militar e a ensinar em comunidades pobres de Salvador. Publica artigos sobre literatura no jornal comunista O Momento, em 1956.

Em 1958 é detida no Rio de Janeiro por vender o livro na Central do Brasil e volta a ser internada, desta vez em Salvador. Ao sair, muda-se para Petrolina, em Pernambuco, onde vive em extrema pobreza, mas sem deixar a militância. Em 1965 foi detida por discursar e pichar palavras de ordem nos muros da cidade; depois de submetidas a interrogatórios, foi recolhida a ao sanatório púbico de Aracaju.

Até a sua morte, em 28 de fevereiro de 1973, aos 57 anos, vítima de um derrame cerebral, continua a escrever, à mão, poemas, peças para teatro e radioteatro, aforismo, textos sobre teoria da arte, poesias e reflexões políticas. Diversos livros sobre sua vida e obra foram publicados nos anos seguintes; em 1988, foi lançado o CD O prazer da poesia, na voz de José Mindlin, em 2000, o site Escritoras baianas, que trazia a bio-bibliografia, foto e comentário sobre a obra de Jacinta; e, em 2003, o vídeo Mídia Poesia, que incluiu o poema “Canção de Partida” (com nova edição em 2005). Sua obra está reunida em Jacinta Passos, coração militante: obra completa: poesia e prosa, biografia, fortuna crítica, organizada por Janaína Amado (2010).


* * *



CANÇÃO DA LIBERDADE


Eu só tenho a vida minha.

Eu sou pobre pobrezinha,

tão pobre como nasci,

não tenho nada do mundo,

tudo que tive, perdi.

Que vontade de cantar:

a vida vale por si.


   Nada eu tenho neste mundo,

   sozinha!

   Eu só tenho a vida minha.


Eu sou planta sem raiz

que o vento arrancou do chão,

já não quero o que já quis,

livre, livre o coração,

vou partir para outras terras,

nada mais eu quero ter,

só o gosto de viver.


   Nada eu tenho neste mundo,

   sozinha!

   Eu só tenho a vida minha.


Sem amor e sem saúde,

sem casa, nenhum limite,

sem tradição, sem dinheiro,

sou livre como a andorinha,

tem por pátria o mundo inteiro,

pelos céus cantando voa,

cantando que a vida é boa.

Nada eu tenho neste mundo,

sozinha!

Eu só tenho a vida minha.


* * *


1935


Tenso como rede de nervos

pressentindo ah! novembro

de esperança e precipício.


Fruto peco.


Novembro de sangue e de heróis.


Grito de assombro morto na garganta,

soluço seco dor sem nome. Ferido.

De morte ferido. Como um animal ferido. Luta

de entranhas e dentes. Natal.

Sangue. Praia Vermelha.


Sangue.

Sangue. É quase um fio

escorrendo

sangrento

tenaz

por dentro dos cárceres,

nas ilhas

e nos corações que a esperança guardaram.


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