O poeta IVAN JUNQUEIRA nasceu no dia 3 de
novembro de 1934, no Rio de Janeiro (RJ). Estudou Medicina e Filosofia, sem
concluir os cursos, e iniciou no jornalismo em 1962, como redator da Tribuna de Imprensa. Com mais de 30
livros publicados, sendo o primeiro Os
Mortos (1964) – além da poesia, escreve crítica literária e ensaios, e é
tradutor – já recebeu 15 prêmios literários, entre eles o Jabuti, da Câmara Brasileira
do Livro (CBL), do Instituto Nacional do Livro (INL), da Associação Paulista de
Críticos de Arte (APCA) e da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Na ABL ocupa a Cadeira nº 37 desde março de
2000, sucedendo ao poeta João Cabral de Melo Neto; na instituição, foi tesoureiro,
secretário-geral e presidente (2004-2005). Teve intensa atividade como
jornalista, inclusive prestando assessoria ao escritor Rubem Fonseca, quando
este presidiu a Fundação Rio; foi assessor da Fundação Nacional de Artes
Cênicas (Fundacen) entre 1987 e 1990, e depois trabalhou na Fundação Nacional
de Arte (Funarte) Colaborou, como crítico literário e ensaísta com jornais e
revistas do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, além de revistas
especializadas nacionais e estrangeiras.
Na Funarte, editou a revista Piracema (1990), na Fundação Biblioteca
Nacional a revista Poesia Sempre
(entre 1992-2002) Também colaborou, entre outras publicações, com a Enciclopédia Mirador Internacional e com
o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro,
este último editado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas.
Como conferencista, viajou o Brasil e a
América do Sul, esteve na Europa (participou da abertura do Projeto Camões, em
1994, em Portugal, e retornou outras vezes para novas conferências em
diferentes cidades). Recebeu o título “Notório Saber”, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1995; em 1998, foi curador do Programa de Coedições
da Fundação Biblioteca Nacional, que viabilizou a publicação de autores do
Norte, Nordeste e sudeste, entre 2000 e 2003.
O tempo para a escrita foi dividido com
funções burocráticas, acadêmicas e premiações. Em 2005, recebeu a Medalha de
Richelieu da Académie Française em conjunto com a Academia Brasileira de
Letras; no mesmo ano, representou o Brasil no Festival Mundial de Poesia e foi
condecorado com a Medalha do Pacificador Sergio Vieira de Mello, do Parlamento
Mundial para a Segurança e Paz, e o Colar do Mérito Judiciário, do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro. Também foi membro do PEN Clube do Brasil.
Sua poesia foi traduzida para o espanhol, alemão, francês, italiano, dinamarquês, russo, inglês e chinês. Em 3 de julho de 2014, internado no Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, faleceu por falência múltipla de órgãos.
* * *
OS MORTOS
Os
mortos sentam-se à mesa,
mas
sem tocar na comida;
ora
fartos, já não comem
senão
côdeas de infinito.
Quedam-se
esquivos, longínquos,
como
a escutar o estribilho
do
silêncio que desliza
sobre
a medula do frio.
Não
devendo, embora lisas,
suas
frontes, onde a brisa
tece
uma tênue grinalda
de
flores que não se explicam.
Nos
beirais a lua afia
Seu
florete de marfim.
(Sob
as plumas de neblina
os
mortos estão sorrindo:
um
sorriso que, tão tíbio,
não
deixa sequer vestígio
de
seu traço quebradiço
na
concha azul do vazio.)
Quem
serão estes assíduos
mortos
que não se extinguem?
De
onde vêm? Por que retinem
sob
o pó de meu olvido?
Que
se revelem, definam
os
motivos de sua vinda.
Ou
então que me decifrem
seu
desígnio: pergaminho.
Sei
de mortos que partiram
quase
vivos, entre lírios;
outros
sei que, sibilinos,
furtaram-se
às despedidas.
Lembro
alguns, talvez meninos,
que
se foram por equívoco;
e
outros mais, algo esquecidos
que
de si mesmos se iam.
Mas
estes, a que família
de
mortos pertenceriam?
A
que clã, se não os sinto
visíveis,
tampouco extintos?
Ou
quem sabe não seriam
mortos
de morte, mas sim
de
vida: imagens em ruínas
na
memória adormecidas.
Mas
eles, em seu ladino
concílio,
disfarçam, fingem
não
me ouvir. E seu enigma
(névoa)
no ar oscila e brinca.
II
Ó
mortos que, sem convite,
à
minha mesa finita
sentastes
só para urdir
tal
intriga metafísica!
Quem
vos pediu me despísseis
vosso
segredo mais íntimo?
E,
ao despi-lo, não me abrísseis
seu
núcleo de morte e vida...
E
por que tanto sigilo
em
vosso verbo melífluo,
se a
morte em si já é signo
transfigurado
de vida,
se
apenas um morto em mim
é o
que basta de agonia
para
que o tempo o redima
e
logo inverta sua sina?
Assim,
estes mortos (vivos)
não
estão aqui nem ali:
pertencem
todos à minha
carne,
agora feita espírito.
E
mesmo que se retirem
(e
eis que o fazem, de mansinho)
algo
deles, pelas frinchas
da
noite cúmplice, fica.
E me
invade, vago líquido,
tingindo
fibra por fibra
o
ser que em meu ser persiste
conta
o outro, que o mastiga.
III
Sobre
a mesa, sono e cinza,
dissolvem-se
as iguarias
–
viandas, aspargos, vinhos –
que
ofereci às visitas.
Visitam
porém omissas,
não
cuidaram de comida,
aos
da mesa preferindo
requintes
talvez mais finos.
À
cabeceira, sozinho,
a
coisa alguma presido
senão
a mim mesmo: abismo
que
em si próprio se enraíza.
Quanto
aos convivas – repito –,
de
algum modo ainda me habitam;
não
fosse assim, como ouvi-los,
agora,
em meus labirintos?
Sim,
ei-los meus inquilinos,
os
mortos, tão coisa viva
que
a morte já não os cinge:
deixa-os
fluir, linfa, comigo.
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