CECÍLIA MEIRELES nasceu no dia 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro (RJ). Ao apresentá-la, na antologia Flor de Poemas (1972), o organizador Paulo Mendes Campos disse: “Não há poeta moderno em língua portuguesa mais harmonioso.” A única nota monótona dos versos desta carioca, prossegue o poeta mineiro, “é a inacreditável qualidade de seus versos, é o nítido tecido conjuntivo de toda a sua obra”.

Cecília “surgiu” para a literatura brasileira na corrente “espiritualista” do modernismo brasileiro, que permitiu abertura a diferentes experiências poéticas – em sua obra encontramos influências da poesia medieval, romântica, parnasiana e simbolista. Ela integrava o grupo tradicionalista e católico que publicava na revista Festa (1927), dirigida por Tasso da Silveira (1895-1968) onde apresentou tendências religiosas.

Embora ligada ao grupo católico, Cecília tinha uma concepção bastante terrena do exercício da poesia. “Há uma tendência de cor e de paisagem que vêm desde Gregório de Matos. E há, sobretudo, uma preocupação carnal que atravessa todas as escolas, e surpreende até nos poemas quase abstratos. Não estou dizendo preocupação amorosa nem sentimental. É mesmo carnal. Enfim, o Brasil é um país muito jovem. Deve ser fenômeno de adolescência”, disse, em entrevista a João Condé (1917-1971), publicada na revista O Cruzeiro, de dezembro de 1965.

O intimismo de Cecília “afina-se ao extremo e toca os limites da música abstrata”, diz Bosi (2000, p. 460). Embora tenha iniciado sua literatura com o grupo da revista Festa, Cecília aproxima-se mais de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) e Cruz e Sousa (1861-1898), de quem, na mesma medida, também irá se afastar, encontrando-se na “transfiguração” da expressividade poética, atenta à riqueza do léxico e dos ritmos portugueses – basta ler Romanceiro da Inconfidência (1953), que foge à orientação intimista e reflete sobre questões de caráter político e social, como a liberdade, a justiça, a traição, a ganância e o idealismo, escrito em redondilha maior para construir uma narrativa poética sobre a saga dos conjurados mineiros do século XVIII, alternando o tom lírico com o épico.

Mas o restante da obra de Cecília é de cunho reflexivo e filosófico. Entre outros temas, ela contempla a transitoriedade da vida/a efemeridade das coisas, a fugacidade do tempo, o amor, o infinito, a natureza e a criação artística.

Entre seus livros se destacam Vaga música (1942), Mar absoluto e outros poemas (1945) – considerado um dos melhores livros da autora –, Doze noturnos de Holanda e O aeronauta (1952), Solombra (1963) e Cânticos (1981). Na reunião de seus poemas em Obras poéticas (1958), ela havia deixado de fora os livros iniciais por entender que, neles, ainda não tinha maturidade poética. O primeiro livro, Espectros (1919), havia sido publicado aos 18 anos, com 17 sonetos que abordavam temas históricos e mitológicos.

A poeta diplomou-se no curso normal da Escola Normal do Distrito Federal, em 1917, e o magistério tornou-se uma de suas paixões – chegou a ser regente de turma em 1939 e diretora de escolas, aposentando-se em 1951. Ainda em função dessa paixão, escreveu em livros didáticos, para o público infantil, como Criança, meu amor (1924), ou em poemas, como Ou isto ou aquilo (1964), em que busca atrair o leitor infantil para os aspectos lúdicos da poesia; em 1934, organizou a primeira biblioteca infantil do Brasil, no Rio de Janeiro, denominada Centro de Cultura Infantil, na gestão do educador Anísio Teixeira (1900-1971) na Secretaria de Educação do Distrito Federal.

Como cronista, de 1920 a 1964, quando sua última crônica foi publicada na Folha de S. Paulo, escreveu cerca de 2.500 crônicas. Entre 1930 a 1933, manteve, paralelamente, no Diário de Notícias uma página diária sobre problemas de educação, que resultou no livro póstumo de cinco volumes, Crônicas da Educação. Com Fernando Azevedo (1894-1974), Anísio Teixeira (1900-1971), Afrânio Peixoto (1876-1947) e outros, publicou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, marco da renovação educacional do país, disponível pelo site da Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana (Coleção Educadores), que também disponibiliza um ensaio sobre a autora, escrito por Yolanda Lôbo (2010).

Cecília Meireles também foi tradutora. É dela uma das versões para A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke, de Rainer Maria Rilke (1875-1926), Orlando, de Virgina Woolf (1882-1941), Yerma, de Federico Garcia Lorca (1898-1936), de Poemas Chineses, que reúne Li Po (701-762) e Tu Fu (ou Du Fu, 712-770), e de diversas obras do poeta hindu Rabindranath Tagore (1861-1941).

Duas passagens em sua vida a aproximam do poeta parnasiano Olavo Bilac (1865-1918). A primeira é quando conclui o curso primário, em 1910, na Escola Estácio de Sá (RJ), e recebe, das mãos do então inspetor escolar do Distrito Federal, a medalha de ouro por ter concluído o curso com "distinção e louvor"; a outra é quando Viagem, de 1938, é vencedor do Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Foi, ainda, repórter, editora, conferencista, escreveu para o teatro de marionetes (A nau catarineta, 1946) e seus livros foram traduzidos para o espanhol, o inglês, o francês e o italiano; ganhou prêmios literários e recebeu diversas honrarias, no Brasil e no exterior. Faleceu no dia 9 de novembro de 1964, no Rio de Janeiro, no ano em que recebeu o título de Comendador da Ordem do Mérito do Chile e em que foi inaugurada uma biblioteca com seu nome em Valparaíso.


* * *



OU ISTO OU AQUILO


Ou se tem chuva e não se tem sol

ou se tem sol e não se tem chuva!


Ou se calça a luva e não se põe o anel,

ou se põe o anel e não se calça a luva!


Quem sobe nos ares não fica no chão,

quem fica no chão não sobe nos ares.


É uma grande pena que não se possa

estar ao mesmo tempo em dois lugares!


Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,

ou compro o doce e gasto o dinheiro.


Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…

e vivo escolhendo o dia inteiro!


Não sei se brinco, não sei se estudo,

se saio correndo ou fico tranquilo.


Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo.


* * *


MOTIVO


Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.


Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

– não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

– mais nada.


* * *

 

REINVENÇÃO

 

A vida só é possível

reinventada.

 

Anda o sol pelas campinas

e passeia a mão dourada

pelas águas, pelas folhas...

Ah! tudo bolhas

que vem de fundas piscinas

de ilusionismo... mais nada.

 

Mas a vida, a vida, a vida,

a vida só é possível

reinventada.

 

Vem a lua, vem, retira

as algemas dos meus braços.

Projeto-me por espaços

cheios da tua Figura.

Tudo mentira! Mentira

da lua, na noite escura.

 

Não te encontro, não te alcanço...

no tempo equilibrada,

desprendo-me do balanço

que além do tempo me leva.

na treva,

fico: recebida e dada.

 

Porque a vida, a vida, a vida,

a vida só é possível

reinventada.


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