CONCEIÇÃO EVARISTO nasceu em 29 de novembro de 1946, em Belo Horizonte (MG). Aos 25 anos concluiu os estudos e, em 1973 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde complementou sua formação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Publicou seus primeiros poemas na série Cadernos Negros, do grupo Quilombhoje, coletivo responsável pela publicação, durante a década de 1990. Mas só ganha visibilidade a partir de 2008 com a publicação de Poemas de recordação e outros movimentos (com novas edições em 2010 e 2017).

A novela Canção para ninar menino grande é de 2018 e Histórias leves e engraçadas, de contos e novelas, é de 2016. Os contos de Olhos d’água foram publicados em 2014; e Insubmissas lágrimas de mulheres foi editado em 2011 (depois, em 2016).

Em 2006, publicou o romance Becos da memória (com reedições em 2013 e 2017); o primeiro romance, Ponciá Vicêncio, é de 2003, publicado nos Estados Unidos em 2007 e reeditado em 2017.

Seus textos constam em diversas antologias, traduzidos para a Alemanha, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos, e são estudados em diversas universidades do exterior, além das brasileiras – Maria Aparecida Andrade Salgueiro, por exemplo, publicou a tese de doutorado em que faz um estudo comparativo com a estadunidense Alice Walker.

Maria da Conceição Evaristo de Brito, doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com a tese Poemas malungos – cânticos irmãos (2011), é professora visitante na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Em 2018, recebeu o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais pelo conjunto da obra e em 2019 foi a homenageada na Bienal do Livro de Contagem (MG).


* * *


VOZES-MULHERES


A voz de minha bisavó

ecoou criança

nos porões do navio.

ecoou lamentos

de uma infância perdida.

 

A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos-donos de tudo.


A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela.


A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

e

fome.


A voz da minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas


A voz de minha filha

recolhe em si

a fala e o ato.

O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha

se fará ouvir a ressonância

o eco da vida-liberdade.

 

* * *

 
PARA A MENINA

 

Para todas as meninas e meninos de cabelos trançados ou sem tranças.
 
Desmancho as tranças da menina
e os meus dedos tremem
medos nos caminhos
repartidos de seus cabelos.
 
Lavo o corpo da menina
e as minhas mãos tropeçam
dores nas marcas-lembranças
de um chicote traiçoeiro.

 

Visto a menina
e aos meus olhos
a cor de sua veste
insiste e se confunde
com o sangue que escorre
do corpo-solo de um povo.
 
Sonho os dias da menina
e a vida surge grata
descruzando as tranças
e a veste surge farta
justa e definida
e o sangue se estanca
passeando tranquilo
na veia de novos caminhos,
esperança.

 

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