AUGUSTO DOS ANJOS nasceu em 20 de abril de 1884, no Engenho do
Pau d’Arco, hoje município de Sapé, na Paraíba. Poeta, seus versos estão
centrados na morte e na decomposição da matéria. Publicou vários poemas em
jornais – o primeiro foi “Saudade”, em 1900, e sua maior participação literária
se deu no jornal O Comércio, da
antiga capital do estado. Doze anos depois, o primeiro e único livro, Eu, custeado pelo irmão Odilon dos
Anjos, quando nenhum editor queria publicá-lo. Em 1928, o livro passa a se
chamar Eu & Outros Poemas,
editado pelo amigo Orris Soares.
O livro suscitou desconforto mas não passou
de todo despercebido – reconhecimento e estranhamento, entre a qualidade
artística e a mórbida radicalidade da poesia de Augusto. No romance biográfico A última quimera (1995), o narrador construído
por Ana Miranda recita alguns versos do soneto Versos a um coveiro para o poeta Olavo Bilac (1865-1918) ao
comentar sobre a morte de Augusto. Bilac, que na ocasião ouvia apenas as
estrelas, teria respondido: “Se quem morreu é o poeta que escreveu esses
versos, então não se perdeu grande coisa.” O diálogo é reproduzido, também, na
introdução da edição da L&PM Pocket e nas mais de 50 edições do livro, e
que derruba a opinião de Bilac, até porque já na terceira edição o livro
vendera cerca de 5.500 exemplares.
O poeta paraibano, descrito por Orris e pelo
poeta e romancista José Américo de Almeida (1887-1980) “como um sujeito de tez
pálida e morena, mais alto do que baixo, franzino e recurvo”, revelou-se “um
enorme poeta que concentrou sua obra, sua visão do mundo, num monossílabo que
fala”, de acordo com Carlos Heitor Cony (1926-2018), em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em setembro de 2012.
Para sobreviver e manter a família – a esposa
Esther, com quem casou em 1910, e os dois filhos –, primeiro tornou-se
professor na mesma escola onde estudou, o Liceu Paraibano. Ao mudar-se para o
Rio de Janeiro, formou-se em direito, mas nunca atuou; mudou-se para Leopoldina
(MG), por orientação médica, e tornou-se diretor de um grupo escolar.
Por vezes qualificado como
simbolista, parnasiano e pré-modernista (utiliza elementos das três tendências),
também panteísta místico e com consciência, morreu aos 30 anos, no dia 12 de
novembro de 1914, em decorrência de pneumonia. Passados 100 anos de sua morte,
a obra de Augusto dos Anjos ainda desperta o interesse em diferentes áreas, da
literatura à biografia, da psicologia à filosofia, e sobrevive aos diversos
modismos e às mutações culturais com acentuada aceitação popular.
Na cidade onde nasceu, Sapé,
foi criado um memorial e é realizado um concurso de poesias (sexta edição) que
levam seu nome; a Academia Paraibana de Letras, em João Pessoa, mantém um
quadro e uma estátua em sua homenagem. Sob coordenação do poeta José Paulo Paes
(1926-1998), a Global editou a coletânea Os
melhores poemas de Augusto dos Anjos em 1985, com sucessivas edições. Em
seu artigo, Cony compartilha a opinião de Ariano Suassuna (1927-2014): “Ele foi
o maior poeta brasileiro do século 20 [...] O livro ‘Eu’, de Augusto dos Anjos,
com toda certeza, equivale ao livro ‘Os Sertões’, de Euclydes da Cunha.”
* * * * *
VERSOS A UM COVEIRO
Numerar
sepulturas e carneiros,
Reduzir
carnes podres a algarismos,
–
Tal é, sem complicados silogismos,
A
aritmética hedionda dos coveiros.
Um,
dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da
Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na
progressão dos números inteiros
A
gênese de todos os abismos!
Oh!
Pitágoras da última aritmética,
Continua
a contar na paz ascética
Dos
tábidos carneiros sepulcrais
Tíbias,
cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque,
infinita como os próprios números,
A
tua conta não acaba mais!
* * * * *
BUDISMO MODERNO
Tome,
Dr., esta tesoura, e... corte
Minha
singularíssima pessoa.
Que
importa a mim que a bicharia roa
Todo
o meu coração, depois da morte?!
Ah!
Um urubu pousou na minha sorte!
Também,
das diatomáceas da lagoa
A
criptógama cápsula se esbroa
Ao
contato de bronca destra forte!
Dissolva-se,
portanto, minha vida
Igualmente
igual a uma célula caída
Na
aberração de um óvulo infecundo;
Mas
o agregado abstrato das saudades
Fique
batendo nas perpétuas grades
Do
último verso que eu fizer no mundo!
* * * * *
VERSOS ÍNTIMOS
Vês!
Ninguém assistiu ao formidável
Enterro
de tua última quimera.
Somente
a Ingratidão – esta pantera –
Foi
tua companheira inseparável!
Acostuma-te
à lama que te espera!
O
Homem, que, nesta terra miserável,
Mora,
entre feras, sente inevitável
Necessidade
de também ser fera.
Toma
um fósforo. Acende teu cigarro!
O
beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A
mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a
alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja
essa mão vil que te afaga,
Escarra
nessa boca que te beija!
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