Nascido em Cruz Alta, em 28 de abril de 1910, o poeta HEITOR SALDANHA morou no Rio de Janeiro, a partir de 1958, onde se tornou amigo de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Clarice Lispector (1926-1977) e Ferreira Gullar (1930-2016); com eles, dividiu participações em debates, encontros poéticos e agitações boêmias durante a década de 1960.
“Poeta de formação caótica”, de acordo com Guilhermino César (1908-1993), publicou Casebre (1939), A outra viagem (1951), a novela Terreiro do João-Sem-Lei (1953) e Apenas o verde silêncio (novela escrita coletivamente, 1954).
Em 1958, com o artista plástico Waldeny Elias (1931-2010), publica As Minas, álbum de xilogravuras com poemas que abordam a temática dos carvoeiros – o poeta trabalhou nas minas de carvão de São Jerônimo durante dois anos e meio – e, em 1962, alguns de seus poemas foram incluídos na antologia Violão de Rua, organizada pelo poeta Moacyr Félix, ao lado de Capinam (1941), Ferreira Gullar (1930-2016), Affonso Romano de Sant’Anna (1937) e outros nomes. Em 1969, integra a antologia Canto Melhor, com poemas inéditos traduzidos para o espanhol pelo poeta argentino Atilio Jorge Castelpoggi (1919-2001). No mesmo ano, publica Nuvem e Subsolo, em que, na segunda parte da obra, intitulada “A nuvem e a esfera”, se aproxima de experiências vanguardísticas.
De volta a Porto Alegre, colabora com a produção do programa Poesia na Guaíba, na Rádio Guaíba. Em 1974, passa a integrar a Academia Rio-Grandense de Letras (cadeira nº 24) e a colaborar com jornais, entre eles o Correio do Povo. Durante a Feira do Livro daquele ano, autografa A Hora Evarista (1974), coletânea completa de sua poesia e o mais celebrado de todos os seus livros, onde é reforçada a preocupação com as classes oprimidas. O livro foi traduzido para o espanhol no início dos anos 90 por Héctor Báez.
Seus poemas podem ser encontrados em outras antologias e também no caderno Autores Gaúchos de 1984, organizado pelo Instituto Estadual do Livro (IEL), quando se sabe que existiam quatro livros inéditos: três de poesia e uma novela. Na década de 1990, o IEL publica duas novas antologias, Uma questão de liberdade (1993) e O autor presente (1997), organizadas por Léa Masina.
Participou do Grupo Quixote, em Porto Alegre, que se reunia na Faculdade de Direito da UFRGS – o grupo que, entre outros, contava com a presença do vacariense Raymundo Faoro (1925-2003) e de Pedro Geraldo Escosteguy (1916-1989), de Santana do Livramento, manteve uma revista literária entre 1947 e 1952 (Editora Globo) e organizou o 1º Festival de Poesia em Porto Alegre nos salões da Reitoria (1958).
Em 2014, parte do acervo do poeta foi doada pela família para o Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ILA/FURG); durante a 21ª Feira do Livro de Cruz Alta/Semana Literária Erico Verissimo (novembro de 2017) foi realizada a mostra Acervo Heitor Saldanha, com fotografias, correspondências, manuscritos dos livros publicados e material inédito.
Morreu em 13 de novembro de 1986, na capital gaúcha, vítima de insuficiência cardíaca.

* * * * *



Hoje enquanto tiver dinheiro
beberei
Depois
entregarei ao garçom
meu relógio de pulso
meus carpins de nylon
meus óculos de tartaruga (que nome bonito)
minha caneta tinteiro
e continuarei bebendo
bebendo
sem literatura
sem poema
sem nada.
Só.
Como se o mundo começasse agora.
Estou nesses conscientes estados de alma
em que não posso me salvar
e nem salvá-la.

* * * * *

O ACIDENTE DE ONTEM

O menino levava um buquê de flores
e um cartão com endereço.
O bonde matou o menino.
Um horizontes de olhos
reuniu o sofrido instante.
Dentro da manhã de abril
alada em altas bandeiras,
o sangue escorria puro, simples,
sobre os trilhos de ferro
sobre as pedras da rua.
Ninguém leu o endereço do cartão.

* * * * *

ANDAMENTO

De que estarei me despedindo hoje?
Há em mim uma clara ressonância de
                                                     despedida.
Mas não devo saber,
                              nem é preciso saber.
Creio que vim
                     pra dizer um dia
                                        na cara do mundo:
hoje estou me despedindo.
E as criaturas boas do meu sangue
                        abririam a boca
que lhes cortasse o ímpeto inexpresso.
Claro que estou me despedindo.
                Hoje sou mais criança do que nunca.

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