Poeta e jornalista, ANGÉLICA FREITAS nasceu em 8 de abril de 1973, em Pelotas (RS). Sua poesia tem sido publicada na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa em antologias e revistas eletrônicas – em 2006 reuniu alguns poemas em Cuatro poetas recientes del Brasil, editado em Buenos Aires, na Argentina.
O primeiro livro individual é Rilke Shake, publicado em 2007, na coleção de poesia contemporânea “Ás de Colete”, organizada e dirigida pelo poeta carioca Carlito Azevedo. Um útero do tamanho de um punho veio em 2012 – e esgotou a tiragem inicial de 1,5 mil exemplares em menos de seis meses. Também grafado com a primeira letra em minúscula, o livro foi o vencedor do prêmio de melhor livro de poesia da Associação Paulista de Críticos de Arte (ACPA) e, em 2013, finalista do Prêmio Portugal Telecom.
Em 2019 escreveu a história em quadrinhos Guadalupe, ilustrada por Odyr Bernardi e editada em Madri, na Espanha. Angélica é coeditora da revista Modo de Usar & Co., ao lado dos poetas Ricardo Domeneck, Fabiano Calixto e Marília Garcia. Traduziu para a revista as poetas hispano-americanas Blanca Varela (1926-2009), Lucía Bianco e Susana Thénon (1935-1991). No sentido contrário – seus poemas traduzidos para outros idiomas –, a crítica e tradutora estadunidense Hilary Kaplan situa a poesia de Angélica dentro de um fenômeno recente, a googlagem: a construção de poemas resultante de sua presença nas variadas mídias sociais e a partir delas.


* * * * *

 

a mulher é uma construção

deve ser

a mulher basicamente é pra ser

um conjunto habitacional

tudo igual

tudo rebocado

só muda a cor

 

particularmente sou uma mulher

de tijolos à vista

nas reuniões sociais tendo a ser

a mais mal vestida

digo que sou jornalista

(a mulher é uma construção

com buracos demais

vaza

a revista nova é o ministério

dos assuntos cloacais

perdão

não se fala em merda na revista nova)

você é mulher

e se de repente acorda binária e azul

e passa o dia ligando e desligando a luz?

(você gosta de ser brasileira?

de se chamar virginia woolf?)

 

a mulher é uma construção

maquiagem é camuflagem

toda mulher tem um amigo gay

como é bom ter amigos

todos os amigos têm um amigo gay

que tem uma mulher

que o chama de fred Astaire

neste ponto, já é tarde

as psicólogas do café Freud

se olham e sorriem

nada vai mudar –

nada nunca vai mudar –

a mulher é uma construção

 

* * * * *
  

uma mulher incomoda

é interditada

levada para o depósito

das mulheres que incomodam

loucas louquinhas

tantãs da cabeça

ataduras banhos frios

descargas elétricas

são porcas permanentes

mas como descobrem os maridos

enriquecidos subitamente

as porcas loucas trancafiadas

são muito convenientes

interna, enterra

 

* * * * *


queridos pai e mãe

tô escrevendo da tailândia

é um país fascinante

tem até elefante

e umas praias bem bacanas

mas tô aqui por outras coisas

embora adore fazer turismo

pai, lembra quando você dizia

que eu parecia uma guria

e a mãe pedia: deixem disso?

pois agora eu virei mulher

me operei e virei mulher

não precisa me aceitar

não precisa nem me olhar

mas agora eu sou mulher


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