Nascido em Uruguaiana (RS) no dia 6 de abril de 1945, LUIZ DE MIRANDA é um dos mais premiados poetas brasileiros – só no exterior, são doze prêmios: quatro nos Estados Unidos, dois no Paraguai, dois na França, dois no Panamá e dois na Itália. O livro Solidão Provisória (1978), considerado o melhor livro de poesia editado no Brasil e nas Américas, foi apresentado por Ferreira Gullar e Nelson Werneck Sodré.
Tem cerca de 40 livros – o primeiro, Andanças, é de 1969; antes disso, havia publicado Versos ao Longe e Poemas em Preto e Branco, mas desconsiderou-os depois de comentários feitos pelo poeta modernista Cassiano Ricardo (1895-1974). Hoje, com mais de 4 mil páginas publicadas, foi oito vezes indicado ao Nobel de Literatura, é o único poeta vivo com um busto em campo de futebol (feito por Xico Stockinger) e sua obra circula pelo mundo.
Antes de publicar o primeiro livro encontrava-se exilado no Uruguai, perseguido politicamente desde que a montagem teatral Povo, Palavra, Amor, Liberdade, de sua autoria, fora censurada em 1968 pelo regime militar. Dedicou-se à vida teatral e literária, retomada em Porto Alegre no Teatro de Arena, em 1971, quando foi preso e torturado – participou de diversos movimentos revolucionários, com o codinome Comandante Gonzalez.
Trabalhou na administração pública, na área cultural, e para diversos órgãos de imprensa (rádio e jornal), no Rio Grande do Sul e em outros estados, até 1978. Em Porto Alegre, foi redator publicitário e participou da criação da Associação Gaúcha de Escritores (AGES), da qual foi presidente, em 1982. Integra a Academia Rio-Grandense de Letras desde 1987 e a Academia Sul Brasileira de Letras desde 2000. É Cidadão de Porto Alegre (1997), merecedor de uma insígnia da Academia de Artes, Ciências e Letras de Paris, e indicado para o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana (Espanha, 19994), concedido aos “maiores poetas do mundo”.
Como compositor, é autor da letra “Palavra”, com o músico Kleiton Ramil (XXº Festival Internacional de Música da cidade de Viña del Mar, no Chile, em 1979) e de “Pampa de Luz”, gravada por Glória de Oliveira e uma das mais tocadas nas FMs de Porto Alegre em 1985, entre outras composições.
A poesia de Luiz de Miranda já foi reunida em diversas antologias – em 2014 chegou ao público a Antologia Definitiva – e, em 2010, Trilogie du bleu, de la mer, de laube et grands vents foi publicada, na França, com segunda edição em 2016 (a original pela Sulina, é de 2000 e ganhou o Prêmio Nacional de Poesia, da Academia Brasileira de Letras).

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O MUNDO É PEQUENO

O mundo é pequeno,
não vai além de nossa casa.
A estrada e o aramado
vizinham mas não se amam.
O silêncio morre
neste tapete de ausências
onde procuro o sono e a manhã.
O vinho é a esperança
onde escrevo e permaneço.

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 MADRUGADA SANTA

O prumo da noite pende
para o lunar da aurora,
entre estrelas e bruma,
a madrugada azul se levanta,
diamante mais duro e mais puro,
o coração é quem canta
as esperanças mais longas,
é uma milonga, uma canção de fronteira,
que nos leva em luz à porta verdadeira.

Sou tudo o que fiz e o que faço,
espada que corta o raio e a injustiça,
brilha alto, brilha, a força do seu aço,
um pedaço de esperança persegue seu fio,
pedras e musgos do velho rio.

Toda minha vida nesta noite acordada
é filha primeira do solar da madrugada.
Sozinho, no vazio noturno dos meses,
vejo a vida luzir pelas ramadas,
e, às vezes, sem saber, ela escorre
por nossos dedos, entre violões
e vinho, um pouco do caminho esvai-se.
Ah, ais perdidos nas ausências,
na lágrima fria do adeus.

Madrugada santa, madrugada do meu sonhar.
Na Cidade Baixa, em Porto Alegre, conheci
o mais denso de tua luz e de tua febre,
que sempre, e cada vez mais, nos leva
ao escondido da última estrela.

Madrugada santa, madrugada azul,
quem te canta chega sempre ao arrebol.
Aqui ao sul do mundo, te falo em espanhol:
El mar es tu caldal, la pampa, tu cantar.
Todo está escrito em las alfombras
del cielo. Contigo voy a morirme.
En tus ojos titilan los verdes
olvidos de mi vida ya vieja.

Só aqui, vivo o destino esquecido,
num antigo bar, num livro de poemas,
antigo como Drummond, Pound, ou Lorca
ou Neruda, ou Machado, ou Dante,
que o poema muda em estações.
Diante de ti, amada,
entre outras, a mais querida,
que dorme na velha cama de minha alma,
perdida nos sonhos silentes
que desde a infância
ferem de luz as possíveis distâncias.
Madrugada azul, esmeralda,
a esmo me vou, ao esmeril do canto.
Um novo tempo lapida seus cristais.
Vou agora para não voltar jamais.

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