Nas palavras da pesquisadora Luisa Destri, a
poeta ORIDES FONTELA, nascida em 21 (ou
24) de abril 1940, está entre aquelas “que puxam para o alto ao extrair
poderosas reflexões de elementos simples, como o pássaro, o espelho, as flores”
e “os relatos acerca de sua vida”, que “levam ao duro chão da realidade, a
pobreza, a melancolia, a sensibilidade extrema a que poucas amizades poderiam
resistir”.
Natural de São João da Boa Vista, interior de
São Paulo, onde também nasceram a pianista Guiomar Novaes (1894-1979), o
escritor e crítico literário Davi Arrigucci Júnior (1943) e a poeta/jornalista Patrícia
Redher Galvão, a Pagu (1910-1962).
Formou-se em Filosofia na USP em 1972, foi
bibliotecária e publicou cinco livros de poesia: Transposição (1969), Helianto
(1973), Alba (1983), que conquistou o
Prêmio Jabuti, e Rosácea (1983) –
depois reunidos em Trevo (1988) –, Teia (1996), premiado pela APCA, e o póstumo
Poesia Reunida 1969-1996 (2006). Em 2015,
o poeta e crítico literário Luis Dolhnikoff organizou e apresentou Poesia Completa. Em Paris foram
publicados Trèfle (Trevo, 1998) e Rosace (Rosácea, 2000).
De difícil e complexa personalidade, viveu
entre a poesia e os escândalos, até isolar-se nos últimos anos de vida na Casa
do Estudante, num prédio na avenida São João – boêmia e depressiva, tentou o
suicídio diversas vezes. Mesmo com reconhecimento internacional, Orides Fontela
morreu envolvida com problemas financeiros, no dia 2 de novembro de 1998, aos
58 anos; uma insuficiência cardiopulmonar, provocada pela tuberculose, causou a
sua morte, enquanto era atendida na Fundação Sanatório São Paulo, em Campos de
Jordão.
Graças a uma enfermeira, não foi sepultada
como indigente, mesmo estando entre os nomes mais importantes da poesia
brasileira contemporânea, admirada por, entre outros, Marilena Chauí, Davi
Arrigucci Jr. e Antonio Candido. Em 2015, foi editado no romance-reportagem O Enigma Orides, do jornalista Gustavo
de Castro.
* * * * *
DA POESIA
Um
gato
tenso
tocaiando
o silêncio
* * * * *
FALA
Tudo
será
difícil de dizer:
a
palavra real
nunca
é suave.
Tudo
será duro:
luz
impiedosa
excessiva
vivência
consciência
demais do ser.
Tudo
será
capaz
de ferir. Será
agressivamente
real.
Tão
real que nos despedaça.
Não
há piedade nos signos
e
nem no amor: o ser
é
excessivamente lúcido
e a
palavra é densa e nos fere.
(Toda
palavra é crueldade.)
* * * * *
ESFINGE
Não há perguntas. Selvagem
o
silêncio cresce, difícil.
* * * * *
SENSAÇÃO
Vejo
cantar o pássaro
toco
este canto com meus nervos
seu
gosto de mel. Sua forma
gerando-se
da ave como aroma.
Vejo
cantar o pássaro e através
da
percepção mais densa
ouço
abrir-se a distância
como
rosa
em
silêncio.
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