O poeta MANUEL BANDEIRA, batizado Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, nasceu no Recife (PE), em 19 de abril de 1886. Ao longo dos 82 anos de vida, foi também professor, cronista, crítico, tradutor e historiador literário. Seu primeiro livro de poesia é A Cinza das Horas, publicado em 1917, em que reunia poemas compostos durante as internações – no Brasil e na Suíça – provocadas pela tuberculose.
Dois anos depois, publicou Carnaval, onde encontramos o poema “Os Sapos”, famosa sátira aos poetas parnasianos, declamado por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna. A partir daí, foi chamado de “São João Batista do Modernismo” por Mário de Andrade, por antecipar um “novo espírito” na poesia brasileira.
Mesmo sem participar diretamente do movimento modernista, escreveu para as revistas Klaxon, Lanterna Verde, Terra Roxa, Revista de Antropologia e A Revista. Fez crítica de artes plásticas, crítica literária e musical para vários jornais, revistas e rádios (A Noite, A Ideia Ilustrada, Diário Nacional, Diário da Noite, Província do Recife, A Manhã e Jornal do Brasil, programas “Quadrante”, “Vozes da Cidade” e “Grandes Poetas do Brasil”).
Foi membro do Conselho Consultivo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, professor de Literaturas Hispano-americanas na Faculdade Nacional de Filosofia, e recebeu o prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira (1937) e o prêmio de poesia do Instituto Brasileiro de Educação e Cultura (1946), ambos pelo conjunto da obra. Em 1936, amigos se reúnem para publicar uma edição especial de A Estrela da Manhã, em homenagem aos seus 50 anos.
Em 1954 publicou o livro de memórias Itinerário de Pasárgada. Sua obra foi reunida em dois volumes, Poesia e Prosa, em 1958, reunindo estudos críticos e biográficos. Seus poemas podem ser ouvidos em CDs: em Estrela da Vida Inteira (2003) por Olivia Hime, e em Manuel Bandeira: O Poeta de Botafogo (2005), recitados por Lauro Moreira, acompanhado por músicas de Camargo Guarnieri interpretadas pela pianista Belkiss Carneiro Mendonça. Francisco Mignone, Maria Lúcia Godoy, e o Quarteto do Rio de Janeiro e Coro da Rádio Ministério da Educação e Cultura gravaram tributos ao poeta.
Manuel Bandeira é o terceiro ocupante da cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1940 – hoje ocupada pelo poeta, letrista e roteirista Geraldo Carneiro. Faleceu no Rio de Janeiro em 13 de outubro de 1968, em decorrência de uma hemorragia gástrica, e não pela tuberculose.

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VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

* * * * *

OS SAPOS

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– "Meu pai foi à guerra!"
– "Não foi!" – "Foi!" – "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos!

O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
– "Meu pai foi rei" – "Foi!"
– "Não foi!" – "Foi!" – "Não foi!"

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
– "Sei!" – "Não sabe!" – "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio


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