O poeta baiano GREGÓRIO DE MATOS nasceu em 7 de abril de 1623. “Uma das maiores figuras de nossa literatura” (Oswald de Andrade), “o primeiro ‘grande’ poeta brasileiro” (Faustino) não costuma figurar entre os preferidos dos leitores e, inclusive, foi acusado de plagiar os poetas espanhóis Góngora (1561-1627) e Quevedo (1580-1645), e o português Sá de Miranda (1481-1558).
Poeta lírico, satírico e religioso, viveu num período em que a luta de classes e as crises religiosas faziam parte do cotidiano. E, pela poesia satírica, se tornou conhecido como “Boca do Inferno”, por usar versos fora dos padrões estabelecidos pelo barroco vigente, pelas críticas à exploração portuguesa do século XVII e à sociedade baiana. Por essas e outras, demorou para ser aceito academicamente. Mesmo Antonio Candido (1918-2017) chegou a afirmar que ele não “contribuiu para formar o nosso sistema literário”.
Usou o decassílabo, próprio para sátiras e, com efeitos burlescos e a afoiteza com que usou os versos para comprar briga com a "gente honrada" que frequentava as páginas de revistas literárias, como a Niterói (1836), custou a ser descoberto e tornar-se conhecido. Isso ocorreu quando foi publicada a edição do primeiro volume de seus poemas, organizada em 1882 pelo então chefe de seção da Biblioteca Nacional, Vale Cabral (1852-1894) – é de Cabral, com Hilário Peixoto, o Guia do viajante no Rio de Janeiro, acompanhado da planta da cidade, de uma carta das estradas de ferro do Rio de Janeiro, Minas e S. Paulo e de uma vista dos Dous Irmãos, no mesmo ano, um dos primeiros guias turísticos do Brasil.
Ainda que tenha ficado confinado na memória local e na tradição manuscrita, o que Gregório de Matos fez se multiplicou, em versos de Vinicius – pela poesia popular – e em João Cabral de Melo Neto. De acordo com Ana Miranda, no romance Boca do Inferno (1990), Gregório de Matos reconhecia: “Ser poeta é uma maldição da nossa língua”.
Exilado em Angola, Gregório de Matos voltou doente ao Brasil, mas foi impedido de se restabelecer na Bahia. Morreu em Recife, em 1696. Seus poemas foram cuidadosamente reunidos por Jaime Amado e publicados em dois volumes, Gregório de Matos – Obra Poética, em 1990 (em 1968, havia sido publicada em sete volumes).


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CONTEMPLANDO NAS COUSAS DO MUNDO DESDE O SEU RETIRO, LHE ATIRA
COM O SEU APAGE, COMO QUEM A NADO ESCAPOU DA TROMENTA

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

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RECOLHIDO O POETA A SUA CASA ASSASMENTE NAMORADO
DO QUE HAVIA VISTO: NÃO PÓDE SOCEGAR SEU AMANTE
GENIO, QUE LHE NÃO MANDASSE NO OUTRO DIA ESTE
ENCARECIMENTO DE SEU AMOR.

Ontem quando te vi, meu doce emprego,
Tão perdido fiquei por ti, meu bem,
Que parece, este amor nasce, de quem
Por amar-te já vive sem sossego,

Essa luz de teus olhos me tem cego,
E tão cego, Senhora, eles me têm,
Que é fineza o adorar-te, e assim convém,
A ti, ó rica prenda, o desapego.

Eu buscar-te, meu bem, isso é fineza.
Tu deixares de amar-me é desfavor,
Eu amar-te com fé, isso é firmeza.

Tu ausente de mim, vê, que é rigor,
Nota, pois, que farei, rica beleza,
Quando amar-te desejo com primor.

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CHORA O POETA A MORTE DE HUM SEO FILHO, CUJO PEZAR
DEO MOTIVO A PRIMEYRA OBRA SACRA DESTE LIVRO

Querido filho meu, ditoso esprito,
Que do corpo as prisões tens desatado,
E por viver no Céu tão descansado,
Me deixaste na terra tão aflito.

Tu mais do que teu Pai és erudito,
Muito mais douto, e mais exprimentado,
Pois por ser Anjo em Deus predestinado
Deixaste de homem ser talvez precito.

Se de achaque de um Sol, do mal de um dia
Entre um doce suspiro, e brando ronco
De toda a flor acaba a louçania:

Que muito, ó Filho, flor de um pau tão bronco
Que acabe a flor dócil infância,
E que acabando a flor, dure ainda o tronco.


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