(foto: mario andré coelho)
ARQUIPÉLAGO
Considerações sobre o isolamento
ILHA 1
Por todos os lados, como a água de uma
represa que rompe, vozes conscienciosas apelam para a solidariedade. Ao mesmo
tempo, neste mundo tão moderno e tão cheio de engenhocas que permitem o
encontro com outras pessoas, nunca estivemos tão sozinhos. Tão independentes,
mas tão necessitados de um olhar, de uma mão estendida, de um carinho, de um
abraço. Tão solidários, mas ainda prenhes de ações egoístas.
Além do álcool gel, a solidariedade é mais-valia.
Convivemos com a esperança e com o negacionismo, com a ignorância e a lucidez;
nos acostumamos com o luto e com a tristeza. E oscilamos, como humanidade,
entre a razão e a emoção, entre a vida e a morte; entre a solidão e o modo de
viver solitário – tergiverso: mas isso é desde sempre!
Muitas vezes esses estados parecem ser um só, e
escreve-se poesia, publica-se bobagens nas redes virtuais, fala-se pelos
cotovelos, como se todos estivessem “fora da casinha”, como se a razão fosse
uma só. E apresentam-se certezas, inclusive a de saber como ressurgiremos
depois desta anomalia.
Afinal, somos humanos, logo, somos teimosos.
ILHA
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Leio que em A
história da solidão e dos solitários, o historiador francês Georges Minois
(traduzido por Maria das Graças de Souza, publicado no Brasil em 2019) explora
a oposição entre convivência e isolamento. A abordagem gira tem torno do mundo
concentrado nas redes virtuais e nas novas tecnologias da informação.
Milhões de páginas já foram viradas a respeito do tema,
milhões ainda serão preenchidas sobre a nova forma de convivência que se
estabeleceu quando a internet passou a fazer parte de nossas vidas na década de
1980 do século passado. Mas que já era detectada nos estudos censitários e no
mercado imobiliário – mais pessoas que preferiam seguir a vida sozinhas, novos
apartamentos concebidos para uma pessoa.
Ainda na antiguidade os filósofos já se debruçavam sobre
o ser ou não ser um “animal social”. A solidão é o isolamento e, neste reduto,
o indivíduo (ou o grupo que se mantém isolado) tem poder absoluto. A solidão é
um espaço para a reflexão, mas também é uma patologia – ou seja, sinal de
alguma forma de loucura. A solidão proporciona o encontro com novas formas de
comunicação; às vezes é preciso parar tudo e pensar sobre como agir.
No momento atual, vem a calhar.
ILHA
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Isolar pode ter a ver com abstrair, quando funciona no
plano das ideias e da linguagem coloquial (acompanhado das três batidinhas na
madeira). O isolamento social define-se na prática e pode ser voluntário ou
forçado. Vivemos hoje o isolamento forçado em função da pandemia (poderia ser
em função de uma guerra, e às vezes parece que é), que muitos teimam em não
obedecer. As razões são várias e abrangem um espectro amplo de interpretações:
da ignorância à teimosia, da indisciplina à dificuldade de isolar-se
voluntariamente. Uma força maior, como a que vivemos, impõe o isolamento social
– a violência urbana já nos provoca há algum tempo a praticá-lo.
A experiência humana constrói o tempo, e também ensina a convivermos
uns com os outros. Narrativas de toda a ordem proliferam nestes dias, insanos
dias, em que a desobediência, ao invés de promover uma nova conjuntura social
de harmonia, deverá nos levar ao caos e às lágrimas. O isolamento social poderá
levar ao desespero e reforçar a ideia suscitada por Raoul Vaneigem, de que só
existam dois caminhos para sairmos dessa: “o pinico dos partidos políticos e
das seitas patafísico-religiosas, ou a morte imediata com Umor”, como reflete
em A arte de viver para as novas gerações
(Conrad, 2002, p. 49), sendo que “Umor” é uma expressão criada pelo escritor e
desenhista Jacques Vaché, e tende para o humor negro.
ILHA
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Há uma pergunta importante na pauta dos dias. Em que tipo
de sociedade quero viver? As manifestações e postagens, crônicas e artigos,
acenam com um novo mundo num momento, com um cenário arrasado no outro. E mais
perguntas. Se este é um momento crítico da humanidade, não foram suficientes os
sinais que nos trouxeram até ele? As falhas humanas ganharam proporções
espetaculosas com os meios digitais e, mesmo assim, não fomos capazes de
entender que o modelo proposto e aceito não servia mais.
Faltou consciência universal, de forma generalizada. Em
uma carta à Mademoiselle Leroyer de Chantepie, em 1859, o escritor francês
Gustave Flaubert observava que as pessoas superficiais, os presunçosos e os
entusiastas querem que todas as coisas tenham um final. O momento em que
vivemos talvez represente o fim de uma unidade de tempo e o que virá depois
provavelmente terá novos elementos a serem incorporados pelos sobreviventes. O
que virá, eu não sei e não me arrisco a dizer. Apenas gostaria que fosse
diferente.
A pior solidão, dizem, é
aquela que sentimos ao perceber que as pessoas podem ser mais do que pensam ser.
ILHA
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Hoje, a solidão parece ser o único lugar onde podemos nos
manifestar.
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