O poeta JORGE DE LIMA nasceu no município alagoano de União dos Palmares em 23 de abril de 1895. Formado em Medicina no Rio de Janeiro, chegou a exercer a profissão em Maceió e na antiga capital brasileira a partir de 1930, num consultório localizado na Cinelândia, onde também funcionava um ateliê de arte e um ponto de encontro de artistas e intelectuais, entre eles José Lins do Rego (1901-1957) e Graciliano Ramos (1892-1953).
Foi deputado estadual (entre 1918 e 1922), professor de Literatura, pintor, fotógrafo, ensaísta, biógrafo, historiador e prosador (em contos, novelas e romances). Como poeta, apresentou ao leitor uma poesia introspectiva, carregada de tons psicológicos, metafísicos e de angústias religiosas imersas num catolicismo sincrético.
Foi eleito Príncipe dos Poetas Alagoanos em 1921. Estreou na literatura com XIV Alexandrinos, em 1914. Escreveu, com Murilo Mendes (1901-1975), Tempo e Eternidade, publicado em 1935. Em Poemas Negros (1947), ilustrado por Lasar Segall (1889-1957), carrega consigo uma carga afetiva sublimada que une a poesia negra e a bíblico-cristã. O ponto alto de sua poesia se dá em Invenção de Orfeu (1952, relançado em 2014 em edição especial), poema órfico modernista em dez cantos, com versos regulares e variados, a partir de Homero (928 a.C-898 a.C), Vigílio (500 d.C-555 d.C) e Dante Alighieri (1265-1321).
Foi homenageado com o Grande Prêmio de Poesia, em 1940, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Para o crítico literário Mário Faustino (1930-1962), Jorge de Lima é um daqueles poetas “para os quais a palavra, antes de ser uma fala, é uma música, um ser virtual germinando e florescendo num espaço peculiar” (2003, p. 93). O poema “O grande circo místico” dá nome a um espetáculo de dança de Naum Alves de Souza (1942-2016), a um disco, que inclui músicas de Chico Buarque e Edu Lobo, em 1983, e a um filme dirigido por Cacá Diegues, em 2018.
Morreu em 15 de novembro de 1953, no Rio de Janeiro, não sem antes deixar registrada uma gravação de poemas para o Arquivo da Palavra Falada, da Biblioteca do Congresso de Washington (EUA).

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DEMOCRACIA

PUNHOS DE REDES embalaram o meu canto
para adoçar o meu país, ó Whitman.
Jenipapo coloriu o meu corpo contra os maus-olhados,
catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes,
carumã me alimentou quando eu era criança,
Mãe-negra me contou histórias de bicho,
moleque me ensinou safadezas,
massoca, tapioca, pipoca, tudo comi,
bebi cachaça com caju para limpar-me,
tive maleita, catapora e ínguas,
bicho-de-pé, saudade, poesia;
fiquei aluado, mal-assombrado, tocando maracá,
dizendo coisas, brincando com as crioulas,
vendo espíritos, abusões, mães-d’água,
conversando com os malucos, conversando sozinho,
emprenhando tudo que encontrava,
abraçando as cobra pelos matos,
me misturando, me sumindo, me acabando,
para salvar a minha alma benzida
e meu corpo pintado de urucu,
tatuando de cruzes, de corações, de mãos-ligadas,
de nomes de amor em todas as línguas de branco, de mouro ou de pagão.

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A MÃO ENORME

Dentro da noite, da tempestade,
a nau misteriosa lá vai.
O tempo passa, a maré cresce,
O vento uiva.
A nau misteriosa lá vai.
Acima dela
que mão é essa maior que o mar?
Mão de piloto?
Mão de quem é?
A nau mergulha,
o mar é escuro,
o tempo passa.
Acima da nau
a mão enorme
sangrando está.
A nau lá vai.
O mar transborda,
as terras somem,
caem estrelas.
A nau lá vai.
Acima dela
a mão eterna
lá está.

* * * * *

35

Estávamos esquivados
dos asfaltes e bucólicas,

dos perenes naturais
elementos suportados.

Quisemos uma existência
fora de toda vontade,

testemunhas afastadas
sem nenhuma cerimônia,

um ar assim reflorido
sem o nosso assentimento,

uma fábula ofertada
uma graça acontecida,

estávamos encontrados
no plano do aceitamento

sem fuga premeditada
no entretanto aparição,

mas, eis tudo: não queríamos
a procura convocada

mas um dom desabrochado,
um consolo comovido

fora de toda esperança,
pés e mãos tão abolidos

nesse corpo manietado
que a infensa coisa fizesse

acordar a alma cansada.

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