O poeta e tradutor FERNANDO PY nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 13 de junho de 1935. Publicou o primeiro livro em 1962, Aurora de vidro; como tradutor, é reconhecido como responsável pela versão brasileira de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, feita em 2002 – considerada “fiel ao texto e sua literalidade” por Carlos Augusto Silva, autor do Dicionário Proust.

Publicou, ainda, Vozes do corpo (1981), Chão da crítica (1984), Antiuniverso (1994), Sol nenhum (1998) e Sentimento da morte (2003); sua obra poética foi reunida em Antologia poética (40 anos de poesia: 1959-1999), de 2000, e em Confissão geral (1959-2009), em 2010. Publicou outros gêneros, como a pesquisa Bibliografia comentada de Carlos Drummond de Andrade (1980 e 2002), os ensaios de Limites da criação: jornalismo literário (1982-2007), reunidos em 2012, e os contos de Vida paixão amor e morte (2018).

Publicou poemas em antologias nacionais e estrangeiras; foi traduzido para o inglês, o espanhol, o italiano, o francês e o alemão. Também ganhou diversos prêmios literários e escrevia crônicas literárias para os jornais de Petrópolis, onde morava desde 1967 – membro da Academia Petropolitana de Letras, em 2003 recebeu o título de Cidadão Petropolitano Honorário.

Além do clássico de Proust, traduziu Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, A vida tranquila, de Marguerite Duras, e Machado de Assis: Impostura e Realismo: uma reinterpretação de Dom Casmurro, de John Gledson, entre outros autores.

Fernando Py morreu aos 84 anos, no dia 21 de maio de 2020, depois de uma parada cardíaca derivada de insuficiência respiratória, em Petrópolis.

* * * * *



FUI EU

Fui eu esse menino que me espia
– melancólico olhar, sereno rosto,
postura fixa e o todo bem composto –
no retrato que o tempo desafia.

Fui eu na minha infância fugidia
de prazeres ingênuos, e o desgosto
de sentir tão efêmera a alegria
bem depressa mudada em seu oposto.

Fui eu, sim; mas o tempo que perpassa
e tudo altera nem sequer deixou
um grão de infância feito esmola escassa.

Fui eu; e da figura só ficou
o olhar desenganado na fumaça
em que a criança inteira se mudou.

(de Sentimento da morte, 2003)

* * * * *

TANGO

Um tango me persegue desde a infância
no canto, no piano, na memória
e se me impõe à voz, timbrando vário
ao prolongar em mim a sua essência
nos dedos de meu pai sobre o teclado.

Não somente: transporta desde longo
tempo a escrita do pai, letra de tango
no papel sempre então visto e relido.

Um tango me persegue: sua marca
é o realejo crepuscular que sinto
na imaginação rodando lento
e quanto mais passado mais se acerca.

E letra e pai e som, tudo afinal
gira ao compasso do tango fanal.

(de Sol Nenhum, 1998)

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MORTE ÍNTIMA

Para Eliane Zagury

Quatro sílabas viajam
no rumo de ninguém.
Quatro caladas mágoas
já sem uso em palavras.
Língua cortada, o eco
regressando à origem
que se presume oblíqua
anterior à linguagem.

A ideia segue a sílaba
em seu perecimento
mantendo-se intranquila
durante algum momento.
Sejam dias ou séculos
igual será o lamento
desse ruído — som morto
cavado na laringe.

Persista embora o símbolo
constante do alfabeto
os signos não reunidos
jamais na mesma sílaba
lerão palavra idêntica
a essas duas minúsculas
outrora pronunciadas
carreando emoções mágicas.

A morte dessas sílabas
completa a do indivíduo.

(de A construção e a crise, 1969)

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