A poeta HENRIQUETA LISBOA nasceu em Lambari (MG), em 15 de julho de 1901, e tornou-se a primeira escritora a integrar a Academia Mineira de Letras, em 1963. Bem antes, aos 28 anos, ela recebeu o Prêmio Olavo Bilac de Poesia da Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo poema “Enternecimento” (título do livro de 1929), já tendo publicado o primeiro livro, Fogo Fátuo, em 1922. O livro mais conhecido da poeta é Flor da Morte, de 1949.

Além desses, escreveu mais 16 livros, sendo dois dedicados ao público infantil – O menino poeta (1943) e Madrinha Lua (1952, premiado pela Câmara Brasileira do Livro). A coletânea Poesia Geral (1985) foi publicada uma semana depois de sua morte – os poemas haviam sido escolhidos pela autora.

Integrou o movimento modernista, a convite de Mário de Andrade, a partir de correspondência trocada entre 1940 e 1945. Além da poesia, pela qual ficou conhecida como a “poeta da morte”, devido às reflexões sobre o tema, Henriqueta dedicou-se à tradução (Dante Alighieri e Gabriela Mistral, entre outros), e aos ensaios literários, à compilação de antologias e à colaboração com jornais e revistas do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, como A Manhã, O Jornal, O Malho, Kosmos, Festa e Revista da Semana.

Em 1955 ganhou a Medalha da Inconfidência de Minas Gerais, em 1971, o Prêmio Brasília de Literatura e, em 1984, a ABL voltou a reconhecer seu talento, com o Prêmio Machado de Assis – todos eles pela totalidade da obra.

A poeta, que também foi professora de literatura hispano-americana e brasileira na PUC-Minas e na Universidade Federal de Minas Gerais, morreu em 9 de outubro de 1985, na capital mineira, onde foi homenageada no centenário de seu nascimento, com o relançamento de alguns títulos e ciclos de palestras. 

* * *  


SOFRIMENTO

 

No oceano integra-se (bem pouco)

uma pedra de sal.

 

Ficou o espírito, mais livre

que o corpo.

 

A música, muito além

do instrumento.

 

Da alavanca,

sua razão de ser: o impulso,

 

Ficou o selo, o remate

da obra.

 

A luz que sobrevive à estrela

e é sua coroa.

 

O maravilhoso. O imortal.

 

O que se perdeu foi pouco.

 

Mas era o que eu mais amava.

 

* * *

 

EQUILÍBRIO

 

Estar não estando

no riso e no pranto.

Possuir sem domínio

dentro do possível.

Ser de si o oposto

sem deixar de ser.

Imóvel movente

que só por angústia

de tempo resvala

para achar o fluxo

do plectro em refluxo.

Pendente da sorte

do imã da força

dos próprios recuos,

o pêndulo pende

mediante a tangência

de eflúvios

 

que estuam

adversos

 

à inércia.

 

* * *

 

VEM, DOCE MORTE

 

Vem, doce morte. Quando queiras.

Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens

desfilam pálidos casulos

e o suspiro das árvores – secreto –

não é senão prenúncio

de um delicado acontecimento.

 

Quanto queiras. Ao meio-dia, súbito

espetáculo deslumbrante e inédito

de rubros panoramas abertos

ao sol, ao mar, aos montes, às planícies

com celeiros refertos e intocados.

 

Quando queiras. Presentes as estrelas

ou já esquivas, na madrugada

com pássaros despertos, à hora

em que os campos recolhem as sementes

e os cristais endurecem de frio.

 

Tenho o corpo tão leve (quando queiras)

que a teu primeiro sopro cederei distraída

como um pensamento cortado

pela visão da lua

em que acaso – mais alto – refloresça.

 

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