O poeta OSCAR BERTHOLDO, natural de Nova Roma do Sul, nasceu em 15 de julho de 1935. Sua estreia em livro foi com Matrícula (1967), ao lado de José Clemente Pozenato, Jayme Paviani, Delmino Gritti e Ary Nicodemos Trentin – em 2007, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) publicou edição comemorativa da obra, Matrícula 40 anos.

Boa parte da produção de Bertholdo continua inédita. Numa ação para que a obra do poeta não ficasse esquecida, a editora da UCS publicou O fazedor de lonjuras – Anotações de um diário de ofício (v. 1), em 2011, com apresentação do escritor José Clemente Pozenato (que chama a atenção para uma característica de Bertholdo: a de nunca dar a obra por acabada, como pode ser visto nos poemas da primeira parte do livro, "O avesso de dentro", já percebida em Poemimproviso, de 1974). Em 1996, a editora já publicara a coletânea Bocca Chiusa (1996), com poemas escritos, segundo o poeta Jayme Paviani, “nos últimos meses de vida” de Bertholdo. Outra coletânea fora editada em 2001, Molho de Chaves, com as obras escritas entre 1967 e 1974, também organizada por Paviani.

Bertholdo formou-se em Filosofia pela Faculdade Imaculada Conceição de Viamão, onde também cursou Teologia. Foi sacerdote e professor; colaborou em diversos órgãos de imprensa, principalmente em Farroupilha, cidade onde morou desde 1980.

Nova Roma do Sul homenageou o poeta dando seu nome para a biblioteca pública; em 1999, Farroupilha concedeu-lhe postumamente o título de Destaque do Século; em 2019 ocorreu o XVII Concurso Oscar Bertholdo (contos, crônicas e poesias), promovido pela prefeitura farroupilhense. A casa onde residiu e transformou-se em patrimônio cultural da cidade, já foi uma casa-lar para crianças e adolescentes e depois uma unidade do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) – inicialmente seria o espaço para um memorial para guardar a história do padre-poeta. Atualmente, o Acervo Literário de Oscar Bertholdo encontra-se na Biblioteca Central da PUCRS, em Porto Alegre

O poeta foi tragicamente morto em 22 de fevereiro de 1991, durante um assalto, aos 56 anos. Poeta premiado, foi um dos maiores incentivadores do movimento cultural da Serra e exerceu forte influência nos movimentos literários surgidos nos anos 1960 e 1990. 

* * *



ALDEIA INATUAL

 

Ah, os pseudônimos da aldeia, a aldeia

entre os colégios e os domingos, a caligrafia

dos becos sem saída, as moças à margem

das novidades, os seios maliciosos como [...]

 

graças à espera dos primeiros poemas

vindos depois que a vida cresceu e teimosa-

mente continua entre o colégio e as missas

de domingo, a aldeia de costas para as cores

 

da tarde, o rio sem novidades, a ponte

de ferro importado da Europa, alguns bêbados,

as horas de filó, os aviãozinhos de madeira

esperando o ataque que não veio, o eixo,

 

a aldeia em todos os detalhes, a aldeia

sem distâncias, a avidez do pó entrando

pela fresta da porta, os severos exercícios

de caligrafia, duas horas de luz elétrica

 

por noite, até as noites anexando a aldeia

aos cansaços da jornada, aldeia sem

protestos, uma infinidade de nadas

e as mulheres levando flores para os vasos

 

sobre os túmulos rasos, as intrigadas da aldeia

sem esquinas nem pressa, as paredes ufanistas,

o Estado Novo, os discursos dispostos a salvar

a pátria amada, o anteontem, os passarinhos

 

e os cães, os canivetes, os carrinhos de

lomba, as cantinas, as coisas, os moinhos

moendo, a vizinhança [arabescos], os chinelos, as cantigas

cobrindo os últimos ecos da aldeia e as odes

 

e os ventres parindo, os avós e o gramofone.

 

19.1.90

 

* * *

 

DUODECIMPROVISO

 

ESTAMOS AGORA EM RUMO OBLÍQUO, O CREPÚSCULO

é normal, ando e vejo a irreversível demissão,

não creio em dor mais profunda que ir ao encontro

da verdade,deixemos de lado a sucessão do bem

e do mal, Deus não vai nem vem, uma vez nascidos

o fictício é ambicioso, dificilmente se cai

de pequeníssima altura, prometo andar, desde o início

é necessária uma hierarquia, tenho esse cuidado

de inventar-me amado, venha a nós o vosso reino

assim como ensaiamos cada dia, careço por completo

de hábitos, quando me levanto pela manhã

faço o sinal da cruz, sou um homem que toma ainda

o leite cru. Nada impede a habilidade de ser

avec une grande curiosité, o amor é súbito,

somos urgentes, movo estas mãos, somos com os olhos,

confundo citações e humores, há trevas suficientes

para estarmos quase oblíquos e de imediato acabo

sendo um animal social, toda hipocrisia é manancial,

o que nos retém ao chão são os olhos, não encontro

caminho por onde não passa o destino,

porque este é o fato, a terra é rosa fenecida,

aqui é lícito censurar, está em minhas mãos

o meu livro, desejo e sou leitor, seria bom

não ter resíduos, nem metáforas nem os frágeis

mortos, dois males corrompem o mundo

a mão e os olhos, basta abrir a reminiscência

para avaliar, é proibido à árvore colher

o seu próprio fruto, com a memória em cada aurora

distendo à beira de Deus a sombra mais úmida

por dentro, vejo o passado em vez de ignorar

o que jamais será terrível, pois agradecer e pensar

são o mesmo poema, subsisto além de onde estou,

tenho vontade de rezar, sinto-me cediço ao crepúsculo,

aqui é possível poemimprovisar por isso.

 

* * *

 

POR ÊLES

 

Outros hão de vir. De onde?

da solidão das rochas? se assim fôsse.

Dá-me a distância, o privilégio estranho

de saber que outros hão de vir de longe.

A solidão é necessária. Vivemos

entre a soma de encontro e despedida.

Um feixe de flôres para os tristes,

o vento trouxe pólen não se sabe donde.

Pois outros hão de vir depois de nós

quando soarem os clarins e o amor

continuar como no início e nas cantigas.

Farei da solidão a âncora para sustentar

nos braços do meu porto a imploração

dos que hão de vir depois. De onde?

 

(de Matrícula)


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