O poeta SOLANO
TRINDADE, nascido em 24 de julho de 1908, em Recife (PE), desde cedo esteve
em contato com a cultura popular e o folclore nordestino. Envolvido com as
danças populares e com a literatura de cordel, também incursionou pelas artes
plásticas, pelo teatro, pelo cinema (Agulha
no palheiro, 1955; Mistérios na Ilha
de Vênus, 1960; O Santo Milagroso,
1966), pela militância política e em defesa do Movimento Negro – esteve entre
os idealizadores do I Congresso Afro-Brasileiro no Recife, em 1934, e do II
Congresso, em 1937, em Salvador (BA).
Em 1936, publicou a coletânea Poemas negros, mesmo ano em que fundou a
Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileira, junto com o
poeta Ascenso Ferreira, o pintor Barros Mulato e o escritor Vicente Lima.
O segundo livro, Poemas de uma vida simples, publicado em 1944, foi apreendido por
conta do poema “Tem gente com fome”, e o poeta, preso. Em 1950, fundou o Teatro
Popular Brasileiro (que hoje tem o seu nome), em Caxias, na Baixada Fluminense
(RJ), e, em 1955, a Brasiliana, grupo de dança brasileira; ainda naquele ano,
fez a primeira montagem da peça Orfeu da
Conceição, de Vinicius de Moraes.
Em 1958, lançou o terceiro livro, Seis tempos de poesia, em São Paulo, e,
entre 1960 e 1971, residiu em Embu, onde contribuiu para transformar a cidade
em “Embu das Artes”, com a promoção de espetáculos artísticos, o
desenvolvimento da pintura e do artesanato. Em 1961, publicou o quarto livro, Cantares do meu povo (com reedição em 1981),
reconhecido pelo sociólogo francês Roger Bastide, um dos primeiros estudiosos
da poesia afro-brasileira: “O senhor faz dos seus versos uma arma, um toque de
clarim, que desperta as energias, levanta os corações, combate por um mundo
melhor.”
Doente, voltou a São Paulo, mas faleceu no dia 19 de fevereiro de 1974, vítima de pneumonia, pobre e esquecido, numa clínica de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Em 1988, o Centro Cultural Solano Trindade (criado em 1975) editou o livro Tem gente com fome e outros poemas; em 1999, a produção poética de Solano Trindade foi reunida em Poemas antológicos; em 2006, uma nova reunião de poemas foi publicada em Canto Negro; e, em 2008, em O poeta do povo.
Doente, voltou a São Paulo, mas faleceu no dia 19 de fevereiro de 1974, vítima de pneumonia, pobre e esquecido, numa clínica de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Em 1988, o Centro Cultural Solano Trindade (criado em 1975) editou o livro Tem gente com fome e outros poemas; em 1999, a produção poética de Solano Trindade foi reunida em Poemas antológicos; em 2006, uma nova reunião de poemas foi publicada em Canto Negro; e, em 2008, em O poeta do povo.
* * *
SOU NEGRO
A Dione
Silva
Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gonguês e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.
Depois meu avô brigou
como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso.
Mesmo vovó
não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou.
Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação.
* * *
NAVIO NEGREIRO
Lá vem o navio negreiro
Lá vem ele sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar...
Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana...
Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...
Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência...
* * *
TEM
GENTE COM FOME
Trem
sujo da Leopoldina
correndo
correndo
parece
dizer
tem
gente com fome
tem
gente com fome
tem
gente com fome
Piiiiii
Estação
de Caxias
de
novo a dizer
de
novo a correr
tem
gente com fome
tem
gente com fome
tem
gente com fome
Vigário
Geral
Lucas
Cordovil
Brás
de Pina
Penha
Circular
Estação
da Penha
Olaria
Ramos
Bom
Sucesso
Carlos
Chagas
Triagem,
Mauá
trem
sujo da Leopoldina
correndo
correndo
parece
dizer
tem
gente com fome
tem
gente com fome
tem
gente com fome
Tantas
caras tristes
querendo
chegar
em
algum destino
em
algum lugar
Trem
sujo da Leopoldina
correndo
correndo
parece
dizer
tem
gente com fome
tem
gente com fome
tem
gente com fome
Só
nas estações
quando
vai parando
lentamente
começa a dizer
se
tem gente com fome
dá
de comer
se
tem gente com fome
dá
de comer
se
tem gente com fome
dá
de comer
Mas
o freio de ar
todo
autoritário
manda
o trem calar
Pisiuuuuuuuuu
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