O poeta JOSÉ SANTIAGO NAUD nasceu no dia 24 de
julho de 1930, em Santiago (RS). Seu primeiro livro foi Poemas sem Domingo, em 1952. Ao todo, foram 22 obras publicadas,
inclusive na Argentina, no Panamá, no México e em Portugal.
Naud foi um dos fundadores
do Instituto Estadual do Livro (IEL), da Associação Nacional de Escritores, do
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Universidade de
Brasília (UnB), cidade para onde se mudou.
Foi professor, licenciado
em Letras Clássicas, e conquistou diversos prêmios literários, como o da
Fundação Cultural do Distrito Federal (1965) e o do festival internacional da
revista D. Quixote, ainda em Porto
Alegre (1958).
Seus poemas podem ser
encontrados em antologias como Capital
poems (com versões em português, espanhol e
inglês, 1989), Cuatro siglos de poesia brasileña (organizada por Jaime
Tello e editada em Caracas, Venezuela, 1983), Antologia dos poetas brasileiros (por Manuel Bandeira e Walmir
Ayala, 1967) e A novíssima poesia
brasileira (por Walmir Ayala, 1962).
Em 17 de agosto será veiculado um vídeo que
o IEL realizou com Naud, onde ele conversa sobre literatura e a importância do
instituto para a sociedade gaúcha (pelo Youtube, como parte da programação do
Dia do Patrimônio).
Seu livro mais recente é Cara de Cão, de 2018. O escritor e
professor, para quem “O ato poético é o poeta folheando um livro em busca do
Livro que jamais poderá escrever”, morreu no dia 20 de julho de 2020 em
decorrência do coronavírus, em Brasília, aos 89 anos.
* * *
ORIGENS
Quando ainda não éramos,
víamos em toda a direção,
não obstante o Céu
por sobre nós conviesse
a cabeça terrena.
Mas, ai, o terrível instante
em que já não mais
o olho que vira se mantinha.
Tudo então se pensou.
E as nuvens, a cor
das águas azuis que se
entregavam
em flores sexuais se
entregavam
em flores sexuais se
bipartiram
abrindo em volta de nós
os espaços da dor.
E eis nosso dia.
* *
*
A
UM GATO
Por esta porta aberta
partias
para
voltar
sempre
silencioso e macio
– às vezes
em tempo de chuva
deixavas sob a janela
a marca das tuas patas.
Mas te foste
sem regresso
e eu me perco
porque aqui
ou lá aonde foste
tudo se quebra
e não posso te alcançar.
Agora
dói-me teu último olhar
sobre o veludo negro do
pelo:
a pupila ainda cintilou tons
de esmeralda
na avessa esperança de
voltar a ver-nos
e até hesitaste antes de
sair
por esta mesma porta
ondulando o rabo na noite.
Hoje
qualquer outro animal
grita o silêncio da tua
presença
ó rei da casa
longíssimo
– rota coroa da mais viva
ausência.
A casa toda é a tua enorme
falta
e muito embora eu trate de
viajar
teu vazio na estrada
é o mal
dentro do bem.
–
Liebeschön
Liebe
Lib
simplesmente
o que restou da ninhada,
flor de beleza e saudade.
Havia limos no ar
e saíste contra os riscos de
ser livre,
mais riscos que liberdade
para ti
mansidão de cordeiro
dócil como burrinho de
presépio
Lib/Amor
partido
na angústia inteira de todo
o meu desconsolo.
* *
*
Olho fixamente o teu rosto,
fecho um
olho,
inclino
um pouco a cabeça
na mesma
direção de olhar o teu rosto
assim
exatamente,
nunca
igual
numa face
a outra face,
assim
irregular
mas
autêntico
com toda
a assimetria
na
simetria assimétrica e geral
da
natureza.
Olhando o
teu rosto,
inscrito
como flor
na
geometria imperfeita
que só eu
posso facer com cinco traços,
explode a
flor da vida
e é teu
rosto
o fulgo
essencial
com que
me incluo inteiro
no
movimento das coisas
natural
ou, 2 por
1,
nas leis
do universo.
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