PAULO HECKER FILHO nasceu em 26 de julho de 1926, em Porto Alegre (RS), e escreveu mais de 30 livros ao longo de sua vida – 18 deles, mais um inédito, todos de poesia, foram reunidos em 2014 pelos poetas Alexandre Brito e Celso Gutfreind para o Instituto Estadual do Livro/Corag, incluindo Patética, de 1955, que figura entre os pouco conhecidos.


Formou-se na Faculdade de Direito da UFRGS, em Porto, onde participou do Grupo Quixote e reunia-se com o futuro jurista Raymundo Faoro, da Academia Brasileira de Letras (ABL), José Paulo Bisol, Esdras do Nascimento e Heitor Saldanha, entre outros escritores. À época, colaborou com a Fronteira e fundou a revista Crucial (1952-1954) – durante 40 anos colaborou com críticas literárias para os jornais de Porto Alegre e com o Estado de São Paulo.


O primeiro livro, Diário, publicado em 1949, foi considerado o melhor livro de ensaio daquele ano, e chamou a atenção do poeta Carlos Drummond de Andrade: “Não conheço outro caso entre nós de uma aventura intelectual tão vivida aos vinte anos como a sua.” Seus livros dividem-se entre obras de crítica, novela, conto, dramaturgia (a peça O provocador, de 1957, recebeu o Prêmio Sagol), poesia e tradução – a partir de 1979, incluindo textos de Guillaume Apollinaire, Arthur Rimbaud, Marquês de Sade, Fernando de Rojas, Yasunari Kawabata e Maurice Leblanc.


Antes de começar a publicar poemas, o nome de Paulo Hecker Filho já corria o mundo: a novela Internato, de 1951, foi publicada nos Estados Unidos, a pedido do editor Winston Leyland, conforme registro da PUCRS. Só nos anos 80 é que a poesia ocupou um lugar de destaque na bibliografia de Hecker, embora na década anterior ele houvesse publicado, no jornal Correio do Povo, alguns poemas reunidos sob o título “Cinquenta Anos”. Com Perder a Vida, de 1986, ganhou o Prêmio Cassiano Ricardo, e foi também o seu livro de poemas melhor recebido pela crítica. Cartas de Amor, também de 1986, mereceu a atenção mais do que especial de Mario Quintana: “Eu só tenho dois poetas prediletos no Rio Grande, Paulo Hecker Filho... e eu.”
Paulo Hecker Filho faleceu em 12 de dezembro de 2005, vítima de uma hemoptise. Na ocasião, o ensaísta Paulo Bentancur comentou: “A morte do poeta e crítico gaúcho não é o fim, mas talvez o início do enfrentamento de sua obra.” Para isso, o acervo o escritor está disponível no Delfos – Espaço de Documentação e Memória Cultural (PUCRS), objeto de doação dos familiares. Nele, cerca de 40 mil volumes, entre clássicos e novos, além de documentação pessoal.

* * *


O POETA

Segundo uma fatalidade, o poeta
traça em páginas brancas
o destino.
Erra o risco e até acerta,
mas o destino torna ao possível
e ele a tentar demarcá-lo.
Vive nisso. Morre disso.

Segundo lei que desconhece,
arranca desi matérias vivas
para que nas páginas renasça
o homem.
Sofre ao ponto
de acreditar que perece.
Mas se vive é porque sangra,
é poeta.

Segundo a lógica, para deter
o sangue devia
deixar de ser poeta,
ir para a África fazer comércio,
renegar-se,
abandonar.
Mas, como a maioria,
ele também, ilogicamente,
ama a vida.

* * *

AMAR

Amar é de repente, como a lâmpada aclara.
É ter amado, vir a amar, amar às vezes.
É esperar que o amor retorne quando pára.
É enfrentar um mundo de talvezes.

Amar é não saber como isso dispara.
Todo amor que começa já tem meses.
O céu, mapa do amor, te olha na cara
e rodas em secretas embriaguezes.

O rude não sou eu, como me censuravas.
O amor é que é feroz e de repente queima
como a quieta montanha estala em lavas.

Teu mundo de menina devastou, quando vi
andavas pelo ar suspensa a um fio de teima.
Ceder tanto ao amor é demais, e eu cedi.

* * *

GUARDA TEU SOL

Guarda teu esplêndido sol silencioso,
Guarda teus bosques, ó Natureza, e os calmos lugares junto às árvores,
Guarda teus campos de trevo e feno, tuas plantações de trigo e teus pomares,
Guarda os campos de trigo-mouro em flor em que zumbem as abelhas.
Dá-me os rostos e as ruas, dá-me estes fantasmas incessantes e perpétuos ao longo das calçadas!
Dá-me os olhos inumeráveis, dá-me as mulheres, dá-me companheiros e amantes aos milhares!
Faz com que a cada dia veja outros novos, e os leve pela a mão a cada dia.
Dá-me espetáculos, dá-me as ruas de Manhattan.
É o que eu preciso! Uma vida intensa, cheia a derramar e múltipla,
A vida do teatro, dos bares, dos hotéis imensos,
A taberna dos marinheiros! A confusão das excursões! A volta com laternas!

(de Walt Withman, em Folhas de relva).

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