A poeta MARIANA IANELLI nasceu em São Paulo (SP), em 17 de outubro de 1979.
É autora de nove livros de poesia – o primeiro, Trajetória de antes, em 1999, o mais recente, Manuscrito do fogo, em 2019, antologia poética que marca 20 anos de
trabalho desde sua estreia.
É também autora de dois livros de
crônicas – Breves anotações sobre um
tigre (2013) e Entre imagens para
guardar (2017) –, um ensaio sobre o poeta carioca Alberto Pucheu (2013) e dois
infantis – Bichos da noite (2018),
entre os melhores livros para o público infantil daquele ano, e Um dia no ateliê (2019) – além de
participações em antologias e publicações em revistas, brasileiras e
internacionais (Argentina, Cuba, Portugal, Espanha, França e Hungria).
Recebeu o Prêmio Bunge – Literatura, na
categoria juventude em 2008, foi quatro vezes finalista do Jabuti em poesia (225,
2007, 2013 e 2016) e recebeu menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas
(Cuba) em 2011, com o livro Treva
Alvorada.
Com mestrado em Literatura e Crítica
Literária (PUC-SP), escreve quinzenalmente aos sábados para a revista digital Rubem. Desde 2018 é editora da página
“Poesia Brasileira” no jornal literário Rascunho.
* * *
TREVA
ALVORADA
Absurda leveza que te faz
afundar
E não é a morte.
Cumpres tua descida calado
(Uma palavra por descuido
Seria amputar a verdade).
Náufrago do tempo,
Tuas horas transbordam.
Dentro da lágrima,
Imensidão, já não choras.
Estrelas e estrelas,
Copulam a sede e o engenho
De que te alimentas
Como nunca te alimentou
O gosto da carne.
Tua face atónita
Se existisse uma face,
Tuas costas nuas,
Se a nudez fosse do corpo.
Um sorvedouro
Onde a paz dos contrários,
Treva alvorada.
Fecundado, flutuas.
É a lei da graça.
* *
*
três
poemas para oratórios-bala*
Quem
não queria o rastro
de
sangue.
Vai,
vento, vira
a
página do livro.
(Lélia
Coelho Frota)
I.
Violento é o céu sobre um
mundo sem divisas
todos os campos já visitados
e sofridos
um corpo limpo de ódio, sem
nojo, sem ironia:
olhai os lírios do campo,
olhai os campos da sangria.
II.
As crianças como pupas em
embrulhos perolados
vogando por terra em suas
mínimas jangadas,
a eloquência das guerras em
cúpulas bombardeadas
e mais e mais raro o pudor
de secretos massacres.
III.
O ar fresco da noite no
cais, a bicicleta sobre a ponte
os jogos mórbidos das fugas
e dos esconderijos
o estupro, a fome, um
recanto com tremoceiros roxos
e a profetisa de Rembrandt
sempre curvada sobre um livro.
(* Nome dado aos oratórios dos séculos XVIII e XIX, sobretudo na
região de Minas Gerais, esculpidos em invólucro de bala de cartucheira ou
recortados e torneados em madeira, em formato de bala, com entalhes da Sagrada
Família em seu interior.)
* *
*
LUGARES
Onde fizemos memória
são lugares que já não
existem,
camas de casa, mercados de
Damasco
cidade dourada, templo de
Palmira –
tudo transmigrado,
repatriado em fábula
e entre as palavras muitos
cigarros votivos,
muitas noites de intervalo
musical
sem morada, sem registro, muitos
dias.
Comentários
Postar um comentário