De personalidade múltipla, o poeta MÁRIO DE ANDRADE nasceu em São Paulo (SP), no dia 9 de outubro de 1893. Seu primeiro livro, Há uma gota de sangue em cada poema, foi publicado em 1917 sob o pseudônimo de Mário Sobral. Cinco anos depois, ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna – da qual foi um dos idealizadores e, a partir do grupo Klaxon, um dos maiores divulgadores – publica Pauliceia Desvairada, considerado um marco na literatura brasileira, inclusive por seu “Prefácio Interessantíssimo”, em que, entre outras afirmações, diz: “O passado é lição para se meditar, não para reproduzir.”

Crítico e teórico, reuniu ensaios em A escrava que não é Isaura (1925), onde propôs discussões sobre a poesia modernista. O romance Amar, verbo intransitivo, de 1927, reafirmou sua condição de escritor modernista. Na sequência, Macunaíma, herói sem caráter e Ensaio sobre música brasileira (1928), Modinhas Imperiais (1930) e Música, doce música (1933).

Depois de colaborar com A Gazeta, A Cigarra, O Echo, escreveu para o Diário Nacional, veículo de comunicação do Partido Democrático (PD), onde publicou grande parte de sua produção: críticas, contos, crônicas e poemas, até 1932. Em seguida, passou a escrever críticas para o Diário de São Paulo (até 1935).

Com Paulo Duarte, fundou o Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, e foi o seu primeiro diretor. Em sua gestão foi criada a Discoteca Púbica (hoje, Discoteca Oneyda Alvarenga); colaborou com o anteprojeto de criação do Serviço Nacional e Artístico Nacional (Sphan), convidou para vir ao Brasil o casal Lévi-Strauss – com Dina Lévi-Strauss, criou a Sociedade de Etnografia e Folclore –, e organizou o Congresso de Língua Nacional Cantada.

No Rio de Janeiro a partir de 1938, dirigiu o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, além de ocupar a cátedra de história e filosofia da arte. Três anos depois, de volta a São Paulo, tornou-se técnico do Sphan e passou a viajar pelo estado realizando pesquisas. Com outros artistas e escritores, fundou a Associação Brasileira de Escritores (Abre), que se posicionou contra o Estado Novo, regime ditatorial do presidente Getúlio Vargas.

Voltou a colaborar com o Diário de S. Paulo e a escrever para a Folha de S. Paulo e, em 1942, ministrou a conferência “O movimento modernista” no salão de conferências do Ministério de Relações Exteriores em homenagem aos 20 anos da Semana de Arte Moderna – texto que depois seria incluído no livro Aspectos da Literatura Brasileira (1943). Ainda publicou O baile das quatro artes (1943), que reúne críticas literária e artística – entre eles “O artista e o artesão” –, e deixou pronto Lira Paulistana, que seria publicado depois de sua morte (em vida, foram mais de 20 livros publicados, entre poesias, crônicas, contos e ensaios, além de um romance).

Mário Raul de Moraes Andrade faleceu em São Paulo, no dia 25 de fevereiro de 1945. Deixou, ainda, volumosa correspondência com Manuel Bandeira (1886-1968), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Oswald de Andrade (1890-1954), Tarsila do Amaral (1886-1973), Fernando Sabino (1923-2004) e Augusto Meyer (1902-1970), entre outros – algumas já publicadas.

* * *


INSPIRAÇÃO


“Onde até na força do verão havia tempestades

De ventos frios de crudelíssimo inverno.”

Fr. Luís de Sousa


São Paulo! Comoção de minha vida...

Os meus amores são flores feitas de original!...

Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza e ouro...

Luz e bruma... Forno e inverno morno...

Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...

Perfumes de Paris... Arys!

Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!...


São Paulo! Comoção de minha vida...

Galicismo a berrar nos desertos da América!


* * *


HÁ UMA GOTA DE SANGUE EM CADA POEMA


Assim como há resquício de barro

Nas estradas asfaltadas

E ruínas pelo impacto das guerras

e catástrofes

Há em cada poema uma lágrima;


Assim como ecoa aplausos e vaias

Da grande semana! Onde sobra

Pedaços mastigados na antropofagia

Mário não desperdiçaria uma idéia

Sem que esfacelasse fontes, rituais e oferendas.


* * *

 

MOÇA LINDA E BEM TRATADA


Moça linda bem tratada,

Três séculos de família,

Burra como uma porta:

Um amor.


Grã-fino do despudor,

Esporte, ignorância e sexo,

Burro como uma porta:

Um coió.


Mulher gordaça, filó,

De ouro por todos os poros

Burra como uma porta:

Paciência...


Plutocrata sem consciência,

Nada porta, terremoto

Que a porta de pobre arromba:

Uma bomba.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog