MATHEUS GUMÉNIN BARRETO nasceu em Cuaibá (MT), no dia 3 de outubro de 1992. Poeta e tradutor de Cuiabá (Brasil). É autor de Mesmo que seja noite (2020), Poemas em torno do chão & Primeiros poemas (2018) e A máquina de carregar nadas (2017).

Teve poemas traduzidos para o inglês, o espanhol e o catalão, publicados em revistas no Brasil, na Espanha e em Portugal.

Publicou traduções de Bertolt Brecht, Paul Celan, Nelly Sachs e Ingeborg Bachmann, entre outros, e integrou o Printemps Littéraire Brésilien 2018 na França e na Bélgica, a convite da Universidade Sorbonne.

Faz parte da equipe editorial da revista Ruído Manifesto e é doutorando da Universidade de São Paulo (USP) na área de Língua e Literatura Alemãs; estudou também na Universidade de Heidelberg.


* * *


CANTO DE DISSOLUÇÃO


Sepultadas no tempo

deitam-se as coisas todas,

que já nem coisas são,

mas memória de coisas.


Sepultados no tempo

afundam-se os rostos

todos, ou quase todos,

e as datas, risos, gostos.


Sepultadas no tempo

jazem as nossas vidas,

num tempo em que não são

nem gozo nem ferida.


Sepultados, enfim,

no tempo, todos nós.


Onde não há nem feito,

nem pessoa, nem voz.


* * *


corpo: que coisa será essa

a que servirá ou a quem, computará quem

os beijos que deu e dará e quem os tons

de carmim que já viu aos domingos e quem

os cachorros que lhe lamberam os dedos e quando

e quem computará as madrugadas e o branco que fazem

e quem

os sons que gestou na garganta e não disse e quem

o amor miúdo e bom que reina entre as paredes de um apartamento e quem

dirá a esse corpo que tudo

cedo ou tarde

não vai ter existido

na garganta faminta do tempo?


* * *


[arder a vida em palavras]


arder a vida em palavras


medidas sombra por

sombra

duma mão noutra arder a vida

na geografia incerta da boca


que arde um instante e desce à terra.


arder a vida nos ecos


e nos corpos ora nacarados ora suados do

discurso que o lábio promete

nem sempre cumpre

e quando cumpre é sempre quase.


equidistante do fim e do início arder a vida


enquanto o corpo se desfaz devagar

com carinho quase

mas resoluto.


arder do verbo absoluto à procura

o verbo na sarça que se queima magnífico

e não existe.


arder a vida pruma bosta qualquer


que mal nasce já não existe:


– arder a vida à procura dum sol pousado na mesa

dum dia de justiça entre irmãos

e descer à terra ciente – mas contente, resoluto –

de nada ter nas mãos.


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