O poeta CARLOS
SALDANHA LEGENDRE nasceu em Porto Alegre (RS), no dia 14 de outubro de 1934.
Cursou direito na UFRGS e exerceu a advocacia criminal até ingressar na
magistratura rio-grandense, até aposentar-se em 2000.
Seus livros são Canto
ao Mar de Piriápolis (1962), Inventário
do Canto (1971), Elegia à Lesma (2011),
Sol, O poema nascente (2014, haicais
e tancas) e A partilha do caos
(2020).
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Este vale canta
– um pássaro fez morada
em sua garganta.
* * *
MORTE
NA ESTRADA
À memória do poeta
Vicente Moliterno
Um automóvel corre na
neblina.
Eu vou sentado, cego, a seu
volante
traiçoeiro. O gado e a magra
hora minguante
estrumam solidão pelas
esquinas
do campo. Calcinaram-me as
retinas
com sono mais antigo que
este instante.
Gemem as vértebras ao fel do
guante
que envolto a noite move nas
ravinas.
Diviso o corpo lívido das
lebres
perdendo-se em pomares
desmaiados.
As pálpebras me caem em véus
de febre.
De pronto, sangro em seco
bater de aços:
– a ponte às vezes leva a
outro lado.
Eu me conduzo morto sobre os
braços.
* *
*
MANHÃS
DE ALÉM-TUNEL
I
um túnel um túnel um túnel
sem fim
ao fim do túnel sem fim um
tonel
um tonel de mel de
Além-Túnel
um tonel de toneladas de mel
do mel de um dia melado de
luz sem
fim
que compus para ti
para
mim
II
te possuí aqui acolá
em tantos sítios
cantados semprencantados
–
mas nunca
te possuí ao fim de um túnel
nunca te possuí ao fim
nunca te possuí
nunca
mas quanto te desejei
vãs manhãs, já não sei
* *
*
Porque tudo já
foi dito, destravo a língua
no vazio, aos gritos!
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