Poeta, romancista, contista e jornalista, ADALGISA NERY nasceu no dia 29 de outubro de 1905 no Rio de Janeiro (RJ). Incentivada por amigos, como o poeta Murilo Mendes, publicou Poemas em 1937, dois anos depois de ver seu primeiro trabalho nas páginas da Revista Acadêmica. Mundos Oscilantes: Poesia Reunida contempla poemas escritos entre 1937 e 1952.

Entre 1921 e 1934, morou com o pintor Ismael Nery (1900-1934), com quem casara aos 16 anos e com quem aproximou-se de poetas como Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade. Em 1959, publicou o romance autobiográfico A Imaginária, onde narra ficcionalmente sua relação com Ismael.

Viveu no México, com Lourival Fontes (então embaixador, ex-diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda, DIP, criado pelo presidente Getúlio Vargas), com quem se casara em 1940, depois de ficar viúva. No período, manteve contato com os pintores Diego Rivera e José Orozco, pelos quais foi retratada. Por suas conferências sobre a poeta mexicana Juana Inés de la Cruz, tornou-se a primeira mulher a receber a Ordem da Águia Asteca, em 1952.

De volta ao Brasil, colaborou com o jornal Última Hora, com a coluna “Retrato sem Retoque” (1954-1966) – neste período, deixou de lado a poesia e dedicou-se aos comentários políticos para o jornal, de Samuel Wainer, o mesmo que criara a revista Diretrizes, no final da década de 1930, para a qual Adalgisa também escrevera.

Foi deputada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e depois pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo cassada pouco antes do AI-5, em outubro de 1969. Publicou, ainda, 22 menos 1 (contos, 1972), o romance Neblina (1972) e, por fim, o livro Erosão (poemas, 1973).

Depois, sem recursos, por ter doado todos os bens aos filhos, Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira morou em uma casa do comunicador Flávio Cavalcanti, em Petrópolis (RJ), entre 1974 e 1975; em 1976, depois de um breve período na casa do filho mais novo (dos sete que teve com Ismael Nery), internou-se à revelia num abrigo de idosos, onde morreu no dia 7 de junho de 1980, solitária, afásica e hemiplégica.

* * *



POEMA DA INCERTEZA


O desespero estéril da indecisão

Cobre o ar frio como uma sombra glacial

Dispersando a humana compreensão

Sobre o objetivo e o vital.

Com a madrugada se vai também a solidão

A única e doce companheira

Para a irremediável e a completa aceitação.

O irresoluto afoga a verdade,

Caminha sobre o certo

Colocando trevas na humanidade

Já tão fria e tão sofrida

Para que a alma fique sempre acesa

Aos arrancos trágicos da vida

Onde germina a força e a beleza.


* * *


PENSAMENTOS QUE REÚNEM UM TEMA


Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar,

Na tranquilidade dos que esqueceram a memória

E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar.

Estou pensando nos que vivem a vida

Na previsão do impossível

E nos que esperam o céu

Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível.

Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões

E nos poetas que correm indefinidamente

Em busca da lucidez dos que possam atingir

A festa dos sentidos nas simples emoções.

Estou pensando num olhar profundo

Que me revelou uma doce e estranha presença,

Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim

Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias

Não sentiram o seu mistério impenetrável,

Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas

Sem a companhia de um silêncio e de uma oração,

Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar,

Nas mulheres que correm mundo

Distribuindo o sexo desligadas do pensamento de amor,

Nos homens cujo sentimento de adeus

Se repete em todos os segundos de suas existências,

Nos que a velhice fez brotar em seus sentidos

A impiedade do raciocínio ou a inutilidade dos gestos.

Estou pensando um pensamento constante e doloroso

E uma lágrima de fogo desce pela minha face:

De que nada sou para o que fui criada

E como um número ficarei

Até que minha vida passe.



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