Nascido em 31 de outubro de 1902, em Itabira (MG), o poeta CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE aprofundou as propostas do modernismo brasileiro. Ao lado do poeta Emílio Moura (1902-1971), fundou o periódico modernista A Revista, em 1925, que durou apenas três números. Em 1930, publicou Alguma Poesia, o primeiro livro, que teve edição de 500 exemplares, paga pelo autor, seguido por Brejo das Almas, considerados da primeira fase do autor, a irônica ou gauche.

Em Brejo das Almas, embora mantenha o tom do primeiro, revela consciência da crise resultante da polarização ideológica dos anos 1930, que vai exigir dos intelectuais um alinhamento político, mas que antecipa a mudança de rumo a partir de Sentimento do Mundo, de 1940, quando o poeta é impactado pelo Rio de Janeiro, onde irá trabalhar como chefe de gabinete do Ministro da Educação, Gustavo Capanema e adotará a lírica social em seus versos, evidenciando a situação do indivíduo diante da multidão, na primeira metade do século XX.

A fase intensa do “poeta público”, nominado por Otto Maria Carpeaux (Origens e Fins, 1943), ocorreu com a Rosa do Povo, livro escrito durante a Segunda Guerra Mundial e publicado em 1945. Mas é a partir de Claro enigma (1948-1951) que o desencanto determina a obra do poeta. Nele estão reunidos alguns dos melhores poemas de Drummond, como “A máquina do mundo” (depois revisto por Haroldo de Campos em A máquina do mundo reinventada, de 2000).

Drummond teve outras duas “fases” – a da poesia objetualista (1962) e a memorialista, da série Boitempo, em que a cidade natal, Itabira do Mato Dentro, passa a ser matéria única e exclusiva. Em 2018, José Miguel Wisnki publica Maquinação do mundo – Drummond e a mineração, em que faz um estudo da relação do poeta com sua cidade e com o mundo.

Grande parte de sua obra foi traduzida para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão, sueco, tcheco e outras línguas, mas Drummond foi também tradutor, vertendo para o português obras como Dona Rosita, a Solteira, de Federico García Lorca (1898-1936), pela qual recebe o Prêmio Padre Ventura, do Círculo Independente de Críticos Teatrais, As Relações Perigosas, de Choderlos de Laclos (1741-1803), Os Camponeses, de Honoré de Balzac (1799-1850), A Fugitiva, de Marcel Proust (1754-1826), e Artimanhas de Scapin, de Molière, encenada no Teatro Tablado, do Rio de Janeiro, e ganhadora de mais um Prêmio Padre Ventura.

As crônicas foram reunidas pela primeira vez em 1944, no livro Confissões de Minas. Depois, elas tiveram continuidade nas páginas de diversos jornais, entre eles o Correio da Manhã (entre 1954 e 1969, coluna intitulada “Imagens) e o Jornal do Brasil (de 1969 a 1984, do qual se despede com a crônica “Ciao”), além de outras compilações.

É importante lembrar que ele foi também grande prosador (cronista, contista e ensaísta). Seus mais importantes livros no gênero, como  Passeios na Ilha (1952), tendem a repassar a mesma matéria dos livros de poesia que lhes são contemporâneos, só que num menor grau de tensão, como é própria da natureza distendida da prosa, segundo observa Antonio Candido. A estreia na prosa de ficção é com Contos de Aprendiz (1951).

Recebeu, ainda, os Prêmios Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, e Luísa Cláudio de Sousa, do PEN Clube do Brasil, pelo livro Lição de coisas (1963), o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos Literários (1974), o Prêmio Nacional Walmap de Literatura, recusou, por motivo de consciência, o Prêmio Brasília de Literatura, da Fundação Cultural do Distrito Federal. (1975), mas aceitou os Prêmios Estácio de Sá, de jornalismo, e Morgado Mateus (Portugal), de poesia (1980); em 1983, nova recusa: o Troféu Juca Pato.

Em agosto de 1987, no dia 5, depois de dois meses de internação, morreu sua filha Maria Julieta, vítima de câncer. O estado de saúde do poeta piorou, e Drummond morreu menos de duas semanas depois, em 17 de agosto, de problemas cardíacos. Está enterrado no mesmo túmulo que a filha, no Cemitério São João Batista do Rio de Janeiro.

Várias homenagens já foram prestadas ao poeta. Em 1998, foi inaugurado o Museu de Território Caminhos Dummondianos em Itabira, e, no dia 31 de outubro daquele ano, foi inaugurado o Memorial Carlos Drummond de Andrade, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, no Pico do Amor da cidade de Itabira, que o homenageou ainda mais com a outorga da Medalha do Sesquicentenário da Cidade, in memorianEm 2020, os livros de prosa Confissões de Minas, de 1944, e Passeios a Ilha (1952), são relançados.

 

* * *


 

POEMA DE SETE FACES

 

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

 

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

 

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus,

pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

 

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

 

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

 

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

 

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

 

* * *

 

NO MEIO DO CAMINHO

 

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

 

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

 

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