O poeta ÉLVIO VARGAS nasceu em dia 14 de outubro de 1951, em Alegrete (RS), e reside em Porto Alegre. Publicou, em 2020, o livro Clara anatomia lírica, que marca os 50 anos de atividade poética. Antes dele vêm Estações da vigília e do sonho (2013, poesia reunida), Água do sonho (2006) e Almanaque das Estações (1993).

Além disso, tem poemas publicados em antologias (entre elas a Coletânea de poesia gaúcha contemporânea, organizada por Dilan Camargo) e revistas, traduzidos para o espanhol, o inglês, o alemão, o italiano e o francês. Em 1988 havia ganhado menção honrosa no Concurso Mário Quintana, com o poema “Paixões Urbanas”.

Trabalhou como redator no jornal Gazeta do Alegrete, em 1973; integrou o Conselho Municipal de Cultura de Alegrete, cidade onde foi patrono da Feira do Livro em 2007 e homenageado em 2011. Ocupa a cadeira número 6 da Academia Rio-Grandense de Letras.

* * *


POÉTICA


Quando vem a vida

no seu pleno sustento

amparada por largas e longas asas

sobrevoando o silêncio

dos telhados de arminho

navegam com ela

na mansa ondulação dos nimbos

crianças inocentes, envoltas

em folhas, ramagens e pergaminhos.

Alfombras de símbolos, criptografias

esperam-nas para o grande voto

sacerdotal das palavras.

Muitas nem conhecerão o batismo

e rumarão para a enseada dos limbos

outras carregarão vergadas, o peso

do fado anunciado no código dos versículos.

Afinal, porque o elo que une tantos idiomas

vale mais que reinos, derruba imperadores

e tem a leveza da oração ou a fúria das pragas.

Seus mantras melódicos guiam pastores

hierofantes, vates e toda a hierarquia dos magos.

A palavra quando emerge

do pântano aquoso das bocas

é gutural, primata, som

que perturba, castiga, enternece.

Quando vem a vida...


* * *


PAIXÕES URBANAS


Hoje estou desenhado

no out-door dos teus subúrbios

sou esta conspiração silenciosa

nos utensílios do teu camarim

um holofote circular

olho a olho no teu olho

vaga impressão de possuí-la

sem posse.

Me ocorre de vez

uma lenta preguiça

de filmar os caminhos

do teu metrô, devorar-me

na essência perfumada

dos teus parques

te cuidar na vidraça

dos olhares, me derramar

na volúpia dos teus bares.

Rotos bares no prêt-à-porter

dos luares.

Hoje sou o sereno quieto

das tuas madrugadas

lento esforço de iluminar

a tua ribalta noturna.

Me ocorre ainda

uma vontade de suspirar

bêbado na ânsia de tuas

avenidas, largas avenidas

salpicadas de tontas

e efêmeras paixões urbanas.


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