Nascido em 22 de outubro de 1930, o poeta-crítico
MÁRIO FAUSTINO publicou apenas um
livro de poemas, O homem e sua hora
(1955), mas foi responsável por uma das páginas de jornal mais importantes para
os curiosos para os leitores brasileiros e também para a literatura universal.
Em “Poesia-Experiência”, editada no Jornal
do Brasil entre 1956 e 1958, no “Suplemento Literário”, onde construiu um
painel crítico da poesia internacional do século XIX e da primeira metade do
século XX. Seu lema era “Repetir para aprender, criar para renovar”, inspirado em
poetas como o estadunidense Ezra Pound, sua principal referência.
O homem e sua hora e outros poemas, de
2002, organizado por Maria Eugênia Boaventura, agrega ao livro publicado em
1955, outros textos reunidos em Fragmentos de uma obra em processo (1958-1962)
e Esparsos e inéditos (1948-1962), além de leituras da
organizadora e de Benedito Nunes, crítico e amigo do poeta. Os textos de Poesia-Experiência tiveram publicação em
1976, pela Editora Perspectiva (Coleção Debates, nº 136), alguns foram reunidos
em
Evolução da poesia brasileira (1993) e em
2003, a edição completa com o título De
Anchieta aos Concretos, organizada por Maria Eugênia.
Ele fez parte de um grupo de poetas que se
destacou na segunda metade do século XX – o período da história literária
brasileira “mais fértil depois do movimento modernista”, no entender de Nunes. Faustino
aproximou-se dos concretistas por intermédio do jornalista e poeta José Lino
Grünewald (1931-2000). Em 1957, o “Suplemento” iria aderir ao concretismo,
teorizado pelos irmãos Campos, Haroldo e Augusto, e Décio Pignatari, de São
Paulo, e encampado, no Rio de Janeiro, por Ferreira Gullar e Reynaldo Jardim,
que, como diretor, inovou a parte gráfica em benefício da composição estética.
O “Suplemento” passou a estampar versos “espaciais” que causavam exasperação
entre os conservadores.
Nas seções da página ele traduziu poetas
franceses (Mallarmé, Artaud, Villon, Lautréamont e Baudelaire), estadunidenses (Whitman,
e. e. cummings, Keats e Pound), ingleses (Blake, Emily Dickinson e Dylan Thomas),
espanhois (Góngora e Miguel Hernández) e da Antiguidade (Virgílio e Homero), entre
outros. Faustino traduzia diretamente da língua original, e, em 1985, a Max
Limonad publicou Poesia Completa Poesia
Traduzida.
No final da década de 1950, Mário Faustino lecionou na Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 1953 foi chefe da Seção de Divulgação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (hoje, SUDAM), e em 1960, depois de ter desistido de “Poesia-Experiência”, exerceu o cargo de diretor adjunto do Centro de Informação Pública da ONU, onde ficou até 1962. De volta para o Brasil, assumiu o cargo de editor-chefe da Tribuna da Imprensa, que havia sido comprado pelo JB; em seguida, voltou a Nova York, como correspondente internacional – mas não chegou ao destino, foi uma das vítimas fatais do choque do voo número 810 da Varig com as montanhas, quando sobrevoava o Peru; morreu cedo, em 27 de novembro de 1962.
* * *
SINTO QUE O MÊS PRESENTE ME ASSASSINA
Sinto
que o mês presente me assassina,
As aves
atuais nasceram mudas
E o
tempo na verdade tem domínio
Sobre
homens nus ao sol de luas curvas,
Sinto
que o mês presente me assassina,
Corro
despido atrás de um cristo preso,
Cavalheiro
gentil que me abomina
E atrai-me
ao despudor da luz esquerda
Ao beco
da agonia onde me espreita
A morte
espacial que me ilumina.
Sinto
que o mês presente me assassina
E o
temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos
marujos que me arrastam
Ao longo
da corrente onde blasfemas
Gaivotas
provam peixes de milagre.
Sinto
que o mês presente me assassina,
Há luto
nas rosáceas desta aurora,
Há sinos
de ironia em cada hora
(Na
libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos
de imprimir a dura face
À
força de suor, de sangue e chaga.
Sinto
que o mês presente me assassina,
Os derradeiros
astros nascem tortos
E o
tempo na verdade tem domínio
Sobre
o morto que enterra os próprios mortos
O tempo,
na verdade tem domínio,
Amém,
amém vos digo, tem domínio
E ri
do que desfere verbos, dardos
De falto
eterno que retornam para
Assassinar-nos
num mês assassino.
* * *
VIDA TODA LINGUAGEM
Vida
toda linguagem,
frase
perfeita sempre, talvez verso,
geralmente
sem qualquer adjetivo,
coluna
sem ornamento, geralmente partida.
Vida
toda linguagem
há
entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui,
ali, assegurando a perfeição
eterna
do período, talvez verso.
Vida
toda linguagem,
feto
sugando em língua compassiva
o
sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite
jorrado em fonte adolescente,
sêmen
de homens maduros, verbo, verbo.
Vida
toda linguagem,
bem
o conhecem velhos que repetem,
contra
negras janelas, cintilantes imagens
que
lhe estrelam turvas trajetórias.
vida
toda linguagem –
como todos
sabemos
conjugar
esses verbos, nomear
esses
nomes:
amar, fazer,
destruir,
homem,
mulher e besta, diabo e anjo
e
deus talvez, e nada.
Vida
toda linguagem,
vida
sempre perfeita,
imperfeitos
somente os vocábulos mortos
com
que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra a chuva,
tenta
fazê-la eterna – como se lhe faltasse
outra,
imortal sintaxe
à
vida que é perfeita
língua
eterna.
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