A poeta STEPHANIE BORGES nasceu no dia 29 de outubro de 1984, no Rio de Janeiro (RJ). Publicou Talvez precisemos de um nome para isto (2019) – “poema longo, dividido em dez partes”, vencedor do Prêmio Cepe Nacional de Literatura de 2018 –, e tem poemas publicados nas revistas Escamandro, A bacana, Ruído Manifesto, Garupa e Pessoa.

Jornalista, formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), traduziu obras de bell hooks (Olhares negros, 2019), Jacqueline Woodson (Um outro Brooklin, 2020) e Audre Lorde (Irmã Outsider, 2019). Participa do podcast Benzina, com o antropólogo Orlando Calheiros.

* * *


ledo engano


há um romantismo em chegar

pelo mar e no entanto

essas terras enganam

desde o princípio portugueses

tomaram a baía

por outra coisa

seu nome nasce

num equívoco, eu rio

e quem recebe a saudação

do sal

no ar

as ondas

intui movimento

e não o peso

das entranhas concretadas

artérias de fluxo denso

nas quais se esvaem vidas,

horas inteiras dias

de ponto em ponto, trocas

de ramal de linha

horas com as quais

é impossível contar

e o que fariam se sobrassem?


há um desejo de ingenuidade

em te acreditar partida e repetir

as desgastadas manchetes

maravilhosas marchinhas

certeiras no caos acolhido

mas dissonantes no sacolejo

dos corpos se batendo

pegajosos exaustos a cada freada

próxima parada,

o vão


a tua entrada pelo chão

é chamada brasil

a avenida cortando a zona

em direção ao centro

carcaças de fábricas postos

casinhas poeira

o cemitério o retorno

linhas coloridas te transpassam

rasgam novas vias e ainda

são lentos teus caminhos


nas encruzilhadas trancadas

mais difícil o acesso

mais caro diferenciado

o condomínio, a cancela, o bairro

fechados deveriam ser os corpos

mas se multiplicam as igrejas

não há cordeiro que baste

são muitos

e cada vez mais


há sempre alguém a te cantar

pelos extremos

e pergunto

pelos anônimos percursos

dessas vísceras

a rotina de quem

no balanço irremediável

se perde apaga


a antipaisagem

olhos na tela

enquanto passam

botecos, escolas,

salões, academias

escorrem as horas

os dias, talvez

o que una tuas pontas

seja o sal do suor

eu rio,

mas é de nervoso


Comentários

  1. Que impacto!
    Mesmo para quem não é do Rio, este poema é um mergulho vertiginoso.
    Lindo (o poema)!

    ResponderExcluir

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