Danielle Magalhães

(Rio de Janeiro, RJ, 13.jul)



do outro lado


do outro lado

o mundo tem um brilho

tão antediluviano

como uma jaca

aqui cheira à morte

e arroz

e a moça faz a unha do pé

ao mesmo tempo em que corta

a carne que vende

no mercado popular encontramos

todos os tempos da história

no relógio que não funciona

está escrito esta obra

pode alterar o funcionamento

de um marca-passo

cuidado não vá por aí

apontando esse cano

para a cara das pessoas

no rosto dela há duas covas

são o delta do mekong

desaguando no canto

da boca enquanto ela

sorri entre as carnes penduradas

há um sorriso há um dente que falta

há uma imagem que manca

entre as carnes penduradas

há dois olhos arregalados

e uma cara de espanto

entre as sobras

das carnes penduradas

há uma imagem que falta

do outro lado não sabemos

se ele é um soldado

ou um adubador

do outro lado tudo é

equívoco e contingência

é difícil pensar

que não fotografamos nem o tijolo

nem o sangue

quando o sangue e o tijolo

são os que mais resistiram

ao tempo

hoje talvez eu não queira andar tanto

para ir ao extremo do outro lado

é embaixo do viaduto da mangueira

que eu atravesso com mais frequência

por todos os lados

as marcas da guerra

são as partes que faltam

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