A poeta CORA
CORALINA é natural Goiás, quando a capital chamava-se Villa Boa de Goyaz. Batizada
Ana Lins dos Guimarães Peixoto, nasceu em 20 de agosto de 1889, em uma casa às
margens do rio Vermelho. O primeiro livro de Cora, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de 1965, só chegou aos
leitores quando ela tinha 76 anos, mas ela escrevera o conto “Tragédia na Roça”
aos 14 anos, publicado no Anuário
Histórico e Geográfico do Estado de Goiás em 1910.
Em 1922, chegou a ser convidada para
participar da Semana de Arte Moderna, mas foi impedida pelo marido, pelo qual
fugira de casa para casar-se. Sua produção literária só foi retomada quando
tornou-se viúva. Foi também quando tornou-se doceira – e ficou conhecida como
Aninha. Em São Paulo, onde morava no período, trabalhou como vendedora de
livros e, em 1936, em Andradina, passou a escrever para o jornal. Só em 1959,
já com 50 anos, é que aprende datilografia para organizar seus poemas – até então,
manuscritos.
Em 1970 tomou posse da cadeira nº 5 da
Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, e, em 1976, publica a segundo obra,
Meu livro de cordel – mas o
reconhecimento viria na década de 1980 – recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Goiás
em 1982 (mesmo com o equivalente ao Ensino Fundamental), venceu o concurso Intelectual
do Ano do Troféu Juca Pato, a primeira mulher a receber a honraria (1983) e foi
eleita Símbolo da Mulher Trabalhadora Rural pela Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e Alimentação (FAO), em 1984 – ano em que também ingressou
na Academia Goiânia de Letras, cadeira nº 38.
Cora Coralina faleceu em 10 de abril de 1985,
aos 95 anos, de pneumonia. Amigos e parentes criaram a Associação Cora
Coralina, que mantém o Museu Casa de Cora Coralina, na casa onde a poeta morou
cerca de 30 anos, hoje protegido pelo título de Patrimônio Histórico e Cultural
da Humanidade (Unesco), quando a cidade foi contemplada pela organização em
2001. À poeta foi concedida, postumamente, a insígnia da Ordem do Mérito
Cultural em 2006.
* * *
RESSALVA
Este
livro foi escrito
por
uma mulher
que
no tarde da Vida
recria
a poetiza sua própria
Vida.
Este
livro
foi
escrito por uma mulher
que
fez a escalada da
Montanha
da Vida
removendo
pedras
e
plantando flores.
Este
livro:
Versos...
Não.
Poesia...
Não.
Um
modo diferente de contar velhas estórias.
* * *
BECOS DE GOIÁS
Becos
da minha terra...
Amo
tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu
ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu
lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E a
réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia,
e
semeias polmes dourados no teu lixo pobre,
calçando
de ouro a sandália velha, jogada no monturo.
Amo
a prantina silenciosa do teu fio de água,
Descendo
de quintais escusos sem pressa,
e se
sumindo depressa na brecha de um velho cano.
Amo
a avenca delicada que renasce
Na
frincha de teus muros empenados,
e a
plantinha desvalida de caule mole
que
se defende, viceja e floresce
no
agasalho de tua sombra úmida e calada.
* * *
MULHER DA VIDA
Mulher
da Vida,
Minha
irmã.
De
todos os tempos.
De
todos os povos.
De
todas as latitudes.
Ela
vem do fundo imemorial das idades
e
carrega a carga pesada
dos
mais torpes sinônimos,
apelidos
e apodos:
Mulher
da zona,
Mulher
da rua,
Mulher
perdida,
Mulher
à toa.
Mulher
da vida,
Minha
irmã.
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