O primeiro livro do poeta NAURO MACHADO, Campo sem base, é de 1958. Nascido em 2 de agosto de 1935 em São Luís (MA), publicou mais de 40 livros, entre eles, duas antologias, uma em 1980 (1958-1979), outra em 1998, Nau de Urano (com mais de 800 sonetos) e Canções de roda nos pés da noite, em edição póstuma (2016) – o último livro, em vida, foi Esôfago Terminal, em 2014.
Ganhou o Prêmio Sousândrade (1958,1964), o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (1982) e o Prêmio ABL de Poesia (1999). Sua obra foi traduzida para o inglês, o alemão, o francês e o catalão.
Em 2019, a escritora Arlete Nogueira da Cruz (companheira do poeta) organizou o livro Impressões sobre Nauro Nogueira Machado, uma coletânea de 131 textos relativos à obra do poeta maranhense. Em 2002, foi homenageado pela escola de samba Turma do Quinto, com o enredo Nauritânia, a poesia de barbas brancas, e, em 2002, o poeta Hildeberto Barbosa Filho organizou a coletânea Melhores Poemas.
Nogueira faleceu em 28 de novembro de 2015, em São Luís (MA), devido a uma isquemia no esôfago.

* * *


 O PARTO

Meu corpo está completo, o homem – não o poeta.
Mas eu quero e é necessário
que me sofra e me solidifique em poeta,
que destrua desde já o supérfluo e o ilusório
e me alucine na essência de mim e das coisas,
para depois, feliz e sofrido, mas verdadeiro,
trazer-me à tona do poema
com um grito de alarma e de alarde:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.

* * *

OFÍCIO

Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo.
Espaço do tamanho do meu corpo aqui,
enchendo inúteis quilos de um metro e setenta
e dois centímetros, o humano de quebra.
Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater
serviços de excrementos em papéis caídos
numa máquina Remington, ou outra qualquer.
E me mandam pro inferno, se inferno houvesse
pior que este inumano existir burocrático.
E depois há o escárnio da minha província.
E a minha vida para cima e para baixo,
para baixo sem cima, ponte umbilical
partida, raiz viva de morta inocência.
Estranhos uns aos outros, que faço eu aqui?
E depois ninguém sabe mesmo do espaço
que ocupo, desnecessário espaço de pernas
e de braços preenchendo o vazio que eu sou.
E o mundo, triste bronze de um sino rachado,
o mundo restará o mesmo sem minha quota
de angústia e sem minha parcela de nada.

* * *

PRECE À BOCA DA MINHA ALMA

Não te transformes em bicho,
ó forma incorpórea minha,
só porque animal capricho
perdeu o humano que eu tinha.

Guarda, do animal, o alheio
esquecimento. E somente.
Mas lembra aquele outro seio
que te nutriu a boca e a mente.

E recorda, sobretudo,
que não babas ou engatinhas,
a não ser quando te escuto
pelos becos, dentre as vinhas.

Vive como um homem morre:
em solidão e na esperança.
guardando a fé que socorre
em mim, semivelho, a criança.

Mas não te tornes em bicho,
nem percas o ser humano,
só porque a tara (ou o capricho)
deu-me este existir insano.

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