O poeta HAROLDO DE CAMPOS, nascido Haroldo Eurico Browne de Campos, nasceu em 19 de agosto de 1929, em São Paulo. Seu primeiro livro foi publicado em 1949, O Auto do Possesso, quando participava do Clube de Poesia, com influências dos poetas da Geração de 45 – ao todo, são mais de 50 livros, entre textos criativos, textos críticos e teóricos, transcriações e participações em antologias, sem contar os artigos em revistas e jornais, CDs, vídeos, peças teatrais (entre elas, Retrato de um Fausto Quando Jovem, dirigida por Gerald Thomas, em 1997) e a participação em filmes.
Poeta da segunda metade do século XX, geração que viveu novos desafios culturais, como a guerra fria, a condição atômica, as lutas raciais o neocapitalismo e a tecnocracia, Haroldo também propôs a renovação da linguagem, que desde sempre abrangeu conceitos filosóficos (alienação e dialética) e noções cibernéticas e da Teoria da Informação (entropia, redundância, emissor, receptor, código e mensagem). Em companhia do irmão Augusto de Campos (1931) e do amigo Décio Pignatari (1927-2012), ficou conhecido por estabelecer um novo parâmetro à literatura brasileira, a poesia concreta, ou o Concretismo – que nos países de língua alemã está associado aos nomes de Ernst Jandl (1925-2000), Gerhard Rühm (1930) e ao grupo de Stuttgart, em torno do filósofo Max Bense (1910-1990).
Até 1963, ainda ligado ao grupo, publicou os livros O Mago do Ômega (1955), Fome de Forma (1958) e Servidão de Passagem (1961), e o ensaio Da tradução como criação e como crítica, ao mesmo tempo em que se dedicava a traduzir poetas alemães, ingleses, estadunidenses, haikaistas japoneses e, em especial, Stéphane Mallarmé (1842-1898) e seu Um Coup de Dés, fundamental para as bases do movimento. Durante o período, participou de mostras e exposições na Europa, onde encontrou-se com o poeta Ezra Pound  e o músico alemão Karlheiz Stockhausen (1928-2007).
No final dos anos 60 envolveu-se com o tropicalismo – os compositores Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942), os cineastas Júlio Bressane (1946) e Ivan Cardoso (1952) e o artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980). Encerrou aquela década com a publicação de Morfologia de Macunaíma, sobre a obra de Mário de Andrade (1893-1945), resultante de sua tese de doutorado em Letras, pela Universidade de São Paulo (USP), onde havia se formado em Ciências Jurídicas e Sociais em 1952.
No começo dos anos 70 lecionou na Universidade do Texas, em Austin (EUA), como professor visitante; entre 1973 e 1989, foi professor titular da cadeira de Semiótica da Literatura na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e depois professor emérito, e professor convidado na Universidade de Yale e volta à Universidade do Texas.


Voltou-se, então, para a literatura latino-americana. É o período em que contribui com estudos sobre o neobarroco, e abriu espaço para corresponder-se com Julio Cortázar (1914-1984), Octavio Paz (1914-1998) e Cabrera Infante (1929-2005) – em 1989 publicou O sequestro do barroco brasileiro na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Mattos, em que contraria críticos tradicionais, como Antonio Candido (1918-2017), por inserir o movimento na historiografia literária brasileira e, também por isso, é considerado o mais barroco dos concretistas. O “projeto único”, Galáxias é publicado em 1984, em versão definitiva, mas a primeira edição teve uma tiragem baixa – em 2004 a Editora 34 voltaria a publicá-lo (2ª edição). Em 1991, Caetano Veloso musicou o trecho “Circulado de Fulô” no disco Circuladô.
Como tradutor, propôs uma nova técnica ao levar em conta os aspectos poéticos da linguagem, a transcriação. Além dos já citados, traduziu, direto da língua original, Homero, Goethe, James Joyce, Bertold Bretch, Dante Alighieri (Os Seis Cantos do Paraíso) e os russos contemporâneos, como Maiakóvski, o Livro do Eclesiastes, do Antigo Testamento, com o título Qohélet = O-que-sabe: Eclesiaste: poema sapiencial, em 1990, com a colaboração do tradutor e crítico J. Guinsburg (1921-2018). Incansável, escreveu numerosos ensaios de teoria e crítica literária, como Re visão de Sousândrade: textos críticos, antologia, glossário, biobibliografia (1964, 1982, 2002), A arte no horizonte do provável (1969, 1972, 1975, 1977) e Ulisses: a travessia textual (edição comemorativa do Bloomday, que coordenou, ao lado de Augusto de Campos, Munira Mutran e Marcelo Tápia, em 2001).
Até o final da vida dirigiu a coleção Signos, da Editora Perspectiva – Cristantempo – no espaço curvo nasce um, de 1998, incluído na coleção, marca os cinqüenta anos de atividade poética de Haroldo. Premiado com oito prêmios Jabuti (como personalidade literária, em 1992) e ganhador do prêmio Octavio Paz de Poesia e Ensaio (México, 1999), foi homenageado no Brasil e no exterior – em comemoração aos seus 70 anos, as universidades de Yale e Oxford organizaram conferências sobre seu trabalho, teve a biografia incluída no Who’s Who in the World e ganhou o título de doutor honoris causa concedido pela Universidade de Montreal (Canadá).
Sua coleção de livros e escritos foi doada para a Casa das Rosas, em São Paulo, onde foi criado o Acervo Haroldo de Campos, composto por livros que faziam parte de sua biblioteca, objetos e obras de arte de sua coleção pessoal, além de doações – estão disponíveis cerca de 20 mil volumes, entre livros e periódicos, em mais de 30 línguas, que também incluem obras de poesia concreta brasileira e de poesia japonesa. Pouco antes de morrer, publicou a transcriação da Ilíada, de Homero, e, postumamente foi publicado Entremilênios (2009), o que só corroborou a importância de sua escrita, “de grande densidade intertextual e algo grau de elaboração e complexidade poéticas” para a poesia brasileira.
Faleceu em 16 de agosto de 2003, aos 73 anos. Para o crítico literário Alfredo Bosi, Haroldo permanece, entre os poetas que estrearam em torno dos anos 50 e, “O seu imaginário e a sua música já entraram para a nossa memória de leitores brasileiros: são parte de nossa história intelectual e moral” (2000, p. 488).

* * * 


  
* * *

inscrição para um túmulo no ar

faustoinfausto  faustino      senha      sina
centauramente      musamente      mário
te recordo      esta vez em teresina

e um mar de alta voltagem      mar divino
um mar de viva arage      repristina
mário o teu ar      poeta-peregrino
escutando a sentença da sibila
que um avesso destino contra-assina

e agora sob um signo teresino
de azul      de luz solar      de sol tigrino
restituído ao ar o que é do mar
à lira o que é delírio      à sina o hino
te compagino em céu      mário faustino

* * *

 
  
* * *

paideuma

no templo neopitagórico
a mão do homem
paciente
recupera os salvados do incêndio
que devorou a encyclopédie
e o retrato (togado) de Dario vellozo
aliás, Apolônio de tyana

quase não há salvados do incêndio

o cenáculo branco
recompõe em triângulos e esquadros
– claridade hermética –
sua mobília suprematista:
grécia em curitiba

nos degraus iniciáticos
sentado
o fileleno leminski
sob o emblema brônzeo do frontispício
paquera as musas

(é o manto da tenin –
hagoromo –
que cintila o aroma
no bosque de bambus?)

curitiba
pilarzinho do mundo

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog