O escritor REYNALDO DAMAZIO nasceu em 29 de agosto de 1963. Publicou os livros de poemas Nu entre nuvens (2001), Horas Perplexas (2008) – contemplado no Programa de Ação Cultural (PAC), da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo – e Com os dentes na esquina (2015).
Jornalista, trabalhou em redações do centro do país – colabora, ainda, com a Folha de S. Paulo –, em instituições culturais e editoras (revisor da série “Circo de Letras”, da Brasiliense); colabora com revistas literárias (como a Babel Poética), de arte, psicologia e cultura. Com o designer Ricardo Botelho, criou o site Weblivros e o fanzine ZineQuaNon.
Além dos poemas, publicou ensaios e artigos (alguns reunidos em Trilhas, notas & outras tramas,de 2018), traduções (Calvina, de Carlo Frabetti, em 2016), entrevistas, resenhas e depoimentos; organizou Drummond Revisitado (2002), Subúrbios da Caneta (com Tarso de Melo, 2014) e Outras Ruminações (com Ruy Proença e Tarso de Melo, 2015).
Fundou a Portal Editora / Dobra Editorial e hoje coordena o Centro de Apoio ao Escritor da Casa das Rosas, além de ser editor da revista do Centro, a Grafias.

* * *


carece de uma folha
em branco no meio da avenida
como um falso prognóstico
a greve geral
um grave registro por fazer
livros empacotados sem destino
a sonolência do amor interrompido
por um frase torta
essa doida sensação de que tudo desaba
porque você não está por perto
porque a fila não anda
a boca se fecha antes da vírgula
cão que salta sobre a cama
suco de melancia derramado
o universo não conspira, esquece
e a vida espera por relatórios
que o tempo apaga sem dó
um após o outro
os cacos do quadro pop
na angústia da parede
aquele texto do Cortázar
sem pontuação
perdido no redemoinho de mensagens
tão virtuais e quentes
como o hálito no começo da noite
lembrança de aroeira
a cicatriz rosa
no trânsito bloqueado

* * *

MATEMÁTICA DISCRETA

Criar o personagem
vesti-lo, divertir-se
ele pode ser o outro
(um clone clínico, diria o analista)
habitante de alguma realidade paralela
logo aqui
nutri-lo de fantasias, melhor,
taras
até torna-lo interessante
depois matá-lo
exercício aritmético simples
antes que subjugue a consciência
do autor
tão nebulosa quanto este
sonho ou sua
sombra

* * *

MEMÓRIA DA DECOMPOSIÇÃO

A noite não deixa marcas em meu sonho;
os passos se perdem na calçada e nada
pode ser mais preciso, mais tortuoso, que
o esquecimento do desejo, o fim da
fagulha entrevista no olhar que me
procurava (ao menos assim o imaginei)
em dias de vento frio, em noites de
sede e tédio, quando a violência das ruas
gritava nos telejornais e fingíamos que
havia um mundo quase perfeito, circuns-
crito entre bares, cinemas, cafés, móveis
baratos de um apartamento alugado a
preço de banana, no centro velho de
uma metrópole que já não existe.

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