Nascido em Vila Pinhal (então, distrito de Santa Maria) no dia 4 de agosto de 1898, tendo se mudado antes de completar um ano para Tupanciretã (RS), o poeta RAUL BOPP também foi jornalista e diplomata – nessas funções, viveu em Los Angeles (EUA), Berna (Suíça), Lima (Peru), Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. Aproximou-se de Oswald de Andrade e de Tarsila do Amaral poucos anos depois da Semana de Arte Moderna de 1922, e, juntos, difundiram as ideias da antropofagia modernista.


Seu primeiro livro é também o mais conhecido: Cobra Norato, de 1931, é uma “experiência mítico-poética”, de acordo com Alfredo Bosi, um drama épico vivido nas selvas amazônicas, com elementos da fala regional, do folclore, dos mitos e da cultura indígena, que teve trechos publicados, inicialmente, na revista Paratodos. Com ele, foi reconhecido com o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1977.
Depois, vieram Urucungo (1932) – voltado para a cultura africana e sua influência na formação histórica brasileira –, Poesias (1947) e Putirum (1969). Em 1978 foi publicado Mironga e outros poemas e, em 2013, uma nova edição de sua obra completa.
O livro Movimentos modernistas no Brasil – 1922-1928, de 1966, recupera fatos ligados à Antropofagia, também reconhecida como “canibalismo cultural”, e aos outros subgrupos modernistas, com contribuições para o estudo da trajetória desse movimento. Alguns outros livros de prosa são Notas de um caderno sobre o Itamaraty (1956) Memórias de um embaixador (1968) e Vida e morte da antropofagia (1977).
Raul Bopp faleceu em 2 de junho de 1984, no Rio de Janeiro, aos 85 anos.

* * *


COCO DE PAGU

Pagu tem os olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-côco quando passa.
Coração pega a bater.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Passa e me puxa com os olhos
provocantissimamente.
Mexe-mexe bamboleia
pra mexer com toda a gente.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Toda a gente fica olhando
o seu corpinho de vai-e-vem
umbilical e molengo
de não-sei-o-que-é-que-tem.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Quero porque te quero
Nas formas do bem-querer.
Querzinho de ficar junto
que é bom de fazer doer.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

* * *

COBRA NORATO
(fragmentos)

I

Um dia
ainda eu hei de morar nas terras do Sem-Fim.

Vou andando, caminhando, caminhando;
me misturo rio ventre do mato, mordendo raízes.
Depois
faço puçanga de flor de tajá de lagoa
e mando chamar a Cobra Norato.

– Quero contar-te uma história:
Vamos passear naquelas ilhas decotadas?
Faz de conta que há luar.

A noite chega mansinho.
Estrelas conversam em voz baixa.

O mato já se vestiu.
Brinco então de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a cobra.

Agora, sim,
me enfio nessa pele de seda elástica
e saio a correr mundo:

Vou visitar a rainha Luzia.
Quero me casar com sua filha.

– Então você tem que apagar os olhos primeiro.
O sono desceu devagar pelas pálpebras pesadas.
Um chão de lama rouba a força dos meus passos.

IV

Esta é a floresta de hálito podre,
parindo cobras.

Rios magros obrigados a trabalhar.

A correnteza arrepiada junto às margens
descasca barrancos gosmentos.

Raízes desdentadas mastigam lodo.

A água chega cansada.
Resvala devagarinho na vasa mole
com medo de cair.

A lama se amontoa.

Num estirão alagado
o charco engole a água do igarapé.

Fede...

Vento mudou de lugar.

Juntam-se léguas de mato atrás dos pântanos de aninga.
Um assobio assusta as árvores.

Silêncio se machucou.

Cai lá adiante um pedaço de pau seco:
Pum

Um berro atravessa a floresta.

Correm cipós fazendo intrigas no alto dos galhos.
Amarram as árvorezinhas contrariadas.

Chegam vozes.

Dentro do mato
pia a jurucutu.

– Não posso.
Eu hoje vou dormir com a filha da rainha Luzia.

XXXII

– E agora, compadre,
eu vou de volta pro Sem-Fim.

Vou lá para as terras altas,
onde a serra se amontoa,
onde correm os rios de águas claras
em matos de molungu.

Quero levar minha noiva.
Quero estarzinho com ela
numa casa de morar,
com porta azul piquininha
pintada a lápis de cor.

Quero sentir a quentura
do seu corpo de vaivém.
Querzinho de ficar junto
quando a gente quer bem, bem;

Ficar à sombra do mato
ouvir a jurucutu,
águas que passam cantando
pra gente se espreguiçar,

E quando estivermos à espera
que a noite volte outra vez
eu hei de contar histórias
(histórias de não-dizer-nada)
escrever nomes na areia
pro vento brincar de apagar.

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