ANDREEV VEIGA nasceu em 9 de agosto de 1981, em Belém (PA). É autor de O mergulho do afogado (2019) e de dialogonuvem (2015; 2017), que recebeu o Prêmio Literário Dalcídio Jurandir, da Fundação Cultural do Pará no ano da publicação, que permitiu sua participação no Programa Seiva, que premia projetos de pesquisa e experimentação artística.
Em 2013, ele já havia sido contemplado com a Bolsa de Criação e Experimentação Artística (IAP) pelo projeto Entre portas – passagens da memória, sendo que, no ano anterior, recebera o Prêmio Bolsa Funarte de Criação Literária com o projeto Insular Palavras. Em 2008, o poema “Reinventando a morte” mereceu o Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia.
São dele as videoartes A espera (2015) e antes que chegue (2014).

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sabor sem fronteiras

penso em escrever
como se fosse o fim de um relacionamento
– isso me incomoda –
assassino um dois três filhos de uma vez
a dama abre um sorriso
sobre as quatro bocas da máquina
refoga com sazón o almoço do domingo
abre a panela
e manifesta sua satisfação
abro o maço de cigarros
ponho-me a contemplar o slogan
sabor
sem
fronteiras
a dama
franze o rosto ao servir a mesa
disfarço
dizendo que o pão que esfria
teve um aumento simbólico este mês

* * *

REINVENTANDO A MORTE

enquanto o sulco
derramava pela última vez
deixando escorrer o enxofre pela casa
o armário era esvaziado
e desencontrava no vazio
seu próprio semblante
enquanto o leito confundia-se ao espírito
e a oração inebriava a madrugada
com seu luto
mais um café era servido
e sem a intenção
de reinventar a vida
com tantos outros assuntos –
a morte era esquecida

* * *

chego outra vez a ficar sem trabalho

chego outra vez a ficar sem trabalho
cato moedas e o vício pelo álcool
despejo em meus melhores amigos
isso me garante
ainda
alguma forma de sobrevivência
não espero nada dos outros
além de mudez
que desate-me de suas memórias
embalsamado
o dia se abre com a mesma covardia que eu o enfrento
pareço inútil chegando sem as chaves em casa
a vida – toda –
parece só mais um substantivo
nomeando um sentido para o fracasso
trinta anos de dor
não valem como companhia para esta noite
numa volta à orla nas ruas
chegando de lugar nenhum
com as mãos abanando
o fogo da misericórdia divina

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