O poeta e declamador paraense CELSO DE ALENCAR nasceu em 3 de agosto de 1949, em Belém (PA). Estreou na poesia com Tentações, em 1979. Seguiram-se: Salve Salve (1981), Arco Vermelho (1983, reeditado em 1985 e 1991), Os reis do Abaeté (1985), O Pastor (infantojuvenil, 1944, com reedições em 1996), O primeiro inferno e outros poemas (1994), Sete (2002, com xilogravuras de Valdir rocha), A outra metade do coração (antologia poética em CD), Testamentos (2003), Poemas Perversos, O coração dos outros e Desnudo.
Ex-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), em duas gestões (1990-92 e 1992-94), tradutor do poeta nicaraguense Rubén Dario (1987-1916) e palestrante, Alencar é reconhecido como uma das “grandes talentos da Geração de 1970” – o compositor e poeta Jorge Mautner o considera “um poeta da 4ª dimensão, escandalizador e libertador de almas”.
Participou de diversas antologias, entre as quais Poesia Contemporânea Brasileira (2001, de Coimbra), Scène Poétique (2003, dez poetas brasileiros e dez franceses, Consulado da França, em São Paulo), Quando Freud não explica tente a poesia (2007), além de publicações em revistas e periódicos.

* * *


CARTA PARA A MINHA MÃE MORTA

Mãe, há uma loucura às vezes.
Aqui dentro escuto um som distante
de máquinas de serraria.
Pela vidraça da porta vejo
um velho ventilador prateado se movimentando no quintal.
Os galhos das árvores sobem e descem,
repletos de passarinhos vermelhos.
Uma gigantesca onda de loucura me diz:
enforca-te sobre a parede com teu vulto de tontura e fúria.
E os homens gordos das suntuosas lojas de perfume
se escondem atrás das cercas de madeira,
masturbam-se e rastejam pelo capim e choram,
riem, mijam e chamam as prostitutas de prostitutas,
e fumam e bebem sem uma fala que comova,
ou um pequeno discurso de prostituídos
ou uma lambida de língua sobre as mãos.
Os outros, os magros, roçam seus pênis
esbranquiçados nos encostos
das cadeiras do Teatro Público Joseph Morgan
e babam como homens inúteis e insignificantes.
Eu lhes digo: não cuspam no chão por favor.
Há uma criancinha deitada sob seus pés.
Então, levemente se aproxima a nuvem fria
derramando gelo sobre os velocípedes brancos.
E ouço gritos de uma esposa, pálida,
pedindo comida no meio da multidão de
desempregados domésticos e ambulantes
vendedores de sapatos e cintos, masculinos.
Então vou à juventude dos anos
dos meus antepassados para reconhecer
os meus braços e o meu rosto antes que se
desmanchem como as nuvens.
Mãe, às vezes é tudo tão estranho.
Os cobertores da lanifício Ravler Eskle
têm me protegido do frio
e tenho notado as minhas unhas
que crescem como as romaneiras.

* * *

(1)

Disse-me um homem:
tem sangue na tua orelha.
Eu lhe respondi.
Não é meu.
É sangue de luta
de homens velhos.

Brigavam sobre essas pedras
e o mais forte tinha
unhas de metal.
Faiscavam as pedras
quando nelas as unhas batiam.

Separávamos os dois,
eu e meus amigos,
quando minha orelha foi banhada.

E eu disse ao homem:
vês aquela carroça
que se afasta?
Nela são transportados
dois velhos que lutavam
pela posse do rebanho de bodes.

Interviemos com gritos e
saltos sobre o córrego.
Nossos braços eram curtos
e não conseguíamos conter o
choque das cabeças contra as pedras
e cabeça contra cabeça.

Por fim,
vimos a morte,
eu, meus amigos e os bodes.

(de O primeiro inferno e outros poemas)

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