TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA nasceu na cidade de Porto, em Portugal, no dia 11 de agosto de 1744. Aos sete anos, mudou-se com o pai, um magistrado brasileiro, para a Bahia, onde viveu até 1782, quando mudou-se para Vila Rica (MG). Participou de dois grandes momentos da história brasileira: a Inconfidência Mineira e o Arcadismo literário, em que se destaca com sua lírica e suas contradições ideológicas.
Em Vila Rica exerceu a ouvidoria e a procuradoria. Publicou o Tratado de Direito Natural, em homenagem ao Marquês de Pombal, tese apresentada na Universidade de Coimbra. Escreveu poemas líricos em Marília de Dirceu, em três partes – 1792, 1799 e 1812 –, e Cartas Chilenas (impressas em 1863, durante o Segundo Reinado), obra satírica que contribuiu para sua prisão e o exílio.
Os poemas de Marília de Dirceu são dedicados à Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, na época com 16 anos. As Cartas Chilenas são tratadas como uma crítica ao governo colonial, na figura do capitão-geral de Minas Gerais, D. Luís da Cunha Meneses, e, junto com a participação na Conjuração Mineira – ao lado dos poetas Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto –, provocaram a acusação de conspiração; foi preso em 1789, na Fortaleza da Ilha das Cobras (RJ), e, depois de três anos, exilado para Moçambique para cumprir mais 10 anos. Lá, casou-se com Juliana de Sousa Mascarenhas e foi onde morreu, em fevereiro de 1810.

* * *


CARTA 1º
Em que se descreve a entrada que fez Fanfarrão em Chile

Amigo Doroteu, prezado amigo,
abre os olhos, boceja, estende os braços
e limpa das pestanas carregadas
o pegajoso humor, que o sono ajunta.
Critilo, o teu Critilo é quem te chama;
ergue a cabeça da engomada fronha,
acorda, se ouvir queres cousas raras.
“Que cousas (tu dirás), que cousas podes
contar que valham tanto, quanto vale
dormir a noite fria em mole cama,
quando salta a saraiva nos telhados
e quando o sudoeste e os outros ventos
movem dos troncos os frondosos ramos?”

É doce esse descanso, não to nego.
Também, prezado amigo, também gosto
de estar amadornado, mal ouvindo
das águas despenhadas, brando estrondo,
e vendo, ao mesmo tempo, as vãs quimeras,
que então me pintam os ligeiros sonhos.
Mas, Doroteu, não sintas que te acorde;
não falta tempo em que do sono gozes:
então verás leões com pés de pato,
verás voarem tigres e camelos,
verás parirem homens e nadarem
os roliços penedos sobre as ondas.
Porém que têm que ver estes delírios
cos sucessos reais que vou contar-te?
Acorda, Doroteu, acorda, acorda;
Critilo, o teu Critilo é quem te chama:
levanta o corpo das macias penas;
ouvirás, Doroteu, sucessos novos,
estranhos casos, que jamais pintaram
na ideia do doente, ou de quem dorme,
agudas febres, desvairados sonhos.

[...]

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DE MARÍLIA DE DIRCEU

53

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos ainda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

[...]

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