SARA SÍNTIQUE é poeta, natural de Iguatu (CE). Publicou Corpo Nulo (2015) e Água: ou testamento lírico a dias escassos (2019). Participou das antologias 69 poemas e alguns ensaios (pré-lançamento em 2020), organizada por Raquel Menezes, e O olho de Lilith – Antologia erótica de poetas cearenses (2019), organizada por Mika Andrade.
Escreve para o blog Leituras da Bel (jornal O Povo) e tem textos publicados em diferentes revistas literárias, como Escamandro, Literatura BR e Olho de Peixe. Educadora, ministra cursos nas áreas de escrita criativa, literatura comparada e dramaturgia.
Nascida em 14 de agosto de 1990, é mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É atriz, com participação nas peças Tudo ao mesmo tempo agora e O despertar da primavera – O musical, e nos filmes Vando Vulgo Vedita e Iracema, mon amour, entre outras atuações.

* * *


CONCHA

fecho em torno do ouvido a mão
e a outra
disseram há um mar em nós
um mar
isto que ouço?
instável quanto?
desbravável? Ou
impossível a um navegante?
pacífico? Ou
impossível a um navegante?
queria invenção duma bússola
pra isto que ouço
quem trouxesse uma agulha
magnetizada

um norte?

fecho em torno do ouvido a mão
e a outra

algo ecoa

(já é muito)

* * *

MEMÓRIAS ANOTADAS NUM DIÁRIO DE INFÂNCIA

hoje: uma mulher molhou os pés no riacho.
ela molha as mãos uma mulher adentra
mas não toda
e lava panos
tantos panos a barriga dela
toda pra fora suor e água e a barriga dela a
roupa toda molhada
as mãos ficando doutra forma
a pele engraçada enrugada engraçada

um peixe lhe morde os pés e outro e outro beliscam
não sei o nome
dos peixes mas sei
a mulher ri

por ora ri
ri mesmo

sorri

hoje: uma mulher sorri.
nem parece que tanto sol lhe assusta.

* * *

OS POMBINHOS

Te amei como um cão.
E gostei.
Não disse nada.
Inventei rosnados e latidos.
Você não me entendeu além de patas garras lambidas mordidas certa lealdade.
Não um cão domesticado.
Nunca uma coleira.
Também não tão raivoso.
Evitei prejuízos.
Que cão fui eu ora isso.
Você não me entendeu além.
Amei como um cão talvez tenha sido.
Te entender como bicho entende bicho.
Com o mistério de um bicho. De um cão.
Com o interesse de um cão no lixo.
Tenha sido bom talvez.
Cruzar o cio no meio-fio.
Deixar o rastro pela calçada.
Você não me entendeu cão.
Eu mesma duvidei.
Pensei antes gato. Lebre. Gráis.
E a solidão de um cão no feminino.
Mas fui o cão. Os rosnados os latidos.
O ganir afoita as madrugadas.
Soube também pelo faro. Pelo farejado.
Você só concorda pelos olhos.
Pelo susto.
Você não me entendeu. Te amei.
Renunciei outros modos.
Gato. Lebre. Gráis.

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